18.11.09

Ferreira Gullar: "Retrocesso à vista"

Recomendo ao leitor que, pondo de lado os seus eventuais preconceitos, reflita sobriamente sobre o importante artigo de Ferreira Gullar abaixo reproduzido, que foi originalmente publicado domingo, 15 de novembro, na "Ilustrada", da Folha de São Paulo:



Retrocesso à vista


O FIM DA utopia marxista, que apostava na derrota do capitalismo, deu lugar, na América Latina, ao neopopulismo que, fazendo-se passar por socialista, explora, em vez da contradição classe operária versus burguesia, a oposição entre pobres e ricos. Se, no caso anterior, os sindicatos funcionavam como instrumento de organização e mobilização do operariado para a tomada revolucionária do poder, agora constituem uma burocracia de neopelegos, que passaram a ocupar posições estratégicas no aparelho de Estado e na máquina política.

Assim, pressionam o governo e os patrões para que façam pequenas concessões aos trabalhadores, com a condição de mantê-los quietos, enquanto eles, os neopelegos, enriquecem a se fortalecem politicamente. A ascensão de Lula à Presidência da República foi resultado desse jogo e, ao mesmo tempo, um salto qualitativo para a elite sindicalista.

As consequências disso para a democracia brasileira podem ser as mais desastrosas, como procurou mostrar Fernando Henrique Cardoso, num artigo recente, intitulado "Para onde vamos?"

O neopopulismo nada tem de revolucionário, como alardeia Hugo Chávez, travestido de líder esquerdista, mas que, na verdade, se apoia no voto do venezuelano pobre. Sustentado pelos vultosos rendimentos do petróleo, mantém programas sociais assistencialistas, que lhe garantem vasta popularidade.

Aparece, diante do povão desinformado, como seu providencial protetor, que o defende de um lobo mau chamado Estados Unidos. Seu verdadeiro projeto é manter-se indefinidamente no poder e, para consegui-lo, fez o Congresso aprovar a reeleição ilimitada.

Lula tentou seguir o mesmo caminho, mas teve sua pretensão rejeitada numa pesquisa de opinião. Precavido, mudou de tática e terminou adotando a candidatura de Dilma como a solução possível.

Invenção sua, se eleita, ela terá que fazer dele seu sucessor em 2014, e, assim, caso isso ocorra, teríamos mais oito anos de Lula na Presidência da República, o que somaria, no total, 20 anos de lulismo. Ou mais, muito mais, porque pode não parar aí, já que, àquela altura, as bases do neopeleguismo e do neopopulismo estariam amplamente assentadas em todo o país.

A ameaça é que, se já agora ele se rebela contra a ação fiscalizadora do Tribunal de Contas da União e pretende calar a imprensa, ou seja, não admite que ninguém critique ou cerceie suas decisões de governo, imaginem o que não fará durante tantos anos no poder.

A história tanto anda para frente como pode andar para trás. O propósito de, chegado ao poder, não sair mais, faz parte da ideologia petista, como deixou claro José Dirceu, em visita a Madri, logo após a posse de Lula, em 2003, ao afirmar que o projeto deles era ficar 20 anos no poder. Sim, porque, ao contrário dos outros partidos "burgueses", o partido dito revolucionário vem para salvar o povo e mudar o rumo da história. Logo, não pode se submeter às regras democráticas da alternância no poder. Se é verdade que, a esta altura, o petismo já abriu mão do revolucionarismo, não admite perder as posições conquistadas.

Lula, muito esperto, logo compreendeu que o Brasil não é a Venezuela. Sabe que, embora tenha maioria no Congresso, este jamais lhe concederia um terceiro mandato e muito menos a possibilidade de reeleição ilimitada. Por isso, adotou a tática de conseguir um mandato tampão para Dilma, enquanto, às carreiras, procura implantar o PAC e aparecer, diante da nação, como um presidente empreendedor, que visa elevar o país à condição de grande potência. Assim age Chávez e assim agiu nossa ditadura militar.

A fórmula é sempre aquela: inimigo dos poderosos e amigo dos pobres, defensor dos negros e mulatos, inimigo dos brancos de olhos azuis. Isso transparece, a todo momento, em suas declarações e discursos. Não faz muito tempo, falando aos catadores de lixo, criticou os ricos que, deliberadamente, sujam a cidade para que os lixeiros, humilhados por eles, a limpem.

É um presidente da República que, sem qualquer escrúpulo, faz questão de instigar ressentimentos e conflitos entre os cidadãos, jogar uns contra os outros. Isso no discurso, porque, de fato, usa a máquina do Estado para favorecer grandes empresas nacionais e estrangeiras.

O artigo de Fernando Henrique Cardoso chamou atenção para o perigo que o país corre. Em vez de desautorizá-lo, os formadores de opinião deveriam preocupar-se com o interesse maior da sociedade. É de se esperar, também, que Serra e Aécio assumam a responsabilidade que lhes cabe.

28 comentários:

Beto disse...

Cicero,

já tinha lido na Folha e gostado. Gosto das cronicas de oposiçao do Gullar. Acho que sao extremamente esclarecedoras quanto ao descompasso entre o discurso e a açao lulista. Muito embora eu nao concorde plenamente com as posiçoes do Gullar , enfim, acho uma posiçao sensata e sábia.

Você viu no mesmo dia o artigo do Delfim Neto? Ele termina como o Gullar, pedindo continuidade, mas consegue ver coisas positivas no governo Lula.

Vamos em frente!

abraço

Anônimo disse...

talvez de fato lula esteja se utilizandos de meios ortodóxos, quando se trata de política brasileira. a palavra sempre esteve com a turma rica. lula soube pegar o microfone, roubar a cena, e hoje a midia d'or não consegue achar silvio santos que encoste no presidente. existe uma brasil pobre e um rico? bom, eu que moro no estado do rio, é só dar uma olhada na paisagem, né? o caminho é mobilizar os desvalidos? sim. na minha opinião é esse o caminho - pq o poder do presidente de uma republiqueta como a nossa é apenas simbólico. e lula virou um ícone. existe um projeto de poder? sim. mas que mal há nisso? quem não está fazendo a sua parte é a oposição, ao não apresentar, de forma inteligente, um outro caminho. é ela quem tem de romper, e não lula entregar o jogo. nesse ponto - e só nesse - concordo com gullar; aécio e serra é que não tem mostrado competência para fazer valer a legitimação constitucional de alternância de poder.

Pax disse...

Sem emitir juízo de valor sobre o artigo de Ferreira Gullar, esses dias, numa conversa sobre política, reclamava com uma amiga da pouca participação da classe artística no momento atual do Brasil. Queimei a língua e acho bom. Logo depois veio o Caetano e soltou sua provocação. Agora Ferreira Gullar.

E que seja para todos os lados, como pressupõe a Democracia, mas que grandes como estes, que têm posições políticas, se manifestem para reconvocar o envolvimento da sociedade sobre as decisões que afetam seus caminhos.

É de todo bom, em minha opinião.

Unknown disse...

Acho estranha essa manifestação do poeta que tanto prezo, injustamente xingado por alguns de stalinista. Vejo que constrói seus argumentos em bases equivocadas ou no mínimo contraditórias. Parece que sua lógica é a de que só se pode ter projetos sociais após a luta de classes vitoriosa, sendo tudo que se realize fora dessa baliza inalcançável na atualidade será considerada populismo e assistencialismo, seu sinônimo. Acharia estranho também que alguém que almejasse o poder não planejasse estar em seu exercício pelo tempo possível para implemantar seu projeto, não foi diferente para o nosso (dele, pois nunca votei nele) citado ex-presidente, que não conseguiu implementar seu sucessor ao mandato tampão de regresso, pois deixou uma pesada herança ao findar seu segundo mandato. Mas não me lembro do poeta desabonar o projeto continuísta do ex-presidente sociólogo, nem de chamá-lo de populista, logo o casal presidencial que luta pela paternidade da bolsa-família. Esperemos a revolução socialista derrotada de nossos tempos para conseguir alterar minimamente os índices tenebrosos da distribuição de riquezas neste país e na Venezuela, para que não incorramos na marca da perdição do populismo? Parece-me cinismo. Precisamos rever esse conceito na América Latina, quando toda e qualquer ação de minoria das condições selvagens de sobrevivência de nossa força de trabalho é vista como populismo, mesmo que se prove sua eficácia, com fartos dados do IBGE E IPEA, por exemplo. Façamos a revolução quando? Acho mesmo que certa esquerda perdeu o rumo, esqueceu até mesmo as próprias lições dos clássicos do marxismo ao se ver forçada a atuar na política de massas, onde não possui experiência em nosso país. É preciso de estratégias para a luta de massas, se assim prefere o jargão mais agradável ao poeta. Existe o horizonte possível e é preciso atuar para sair do niilismo intelectual pragmático que parece dominar o maranhense talvez acuado em seu marxismo pela sanha rotuladora de seus desafetos. Triste mundo da hegemonia capitalista e parcas opções de resistência, não há como fugir dessa realidade.

há palavra disse...

Prezado Cícero:

Reproduzir o artigo do Gullar é prestar um serviço à reflexão política de qualidade, num momento histórico em que a presença de um pensamento engajado porém livre se torna cada dia mais ausente da cena pública, em que - me parece - todos [ou quase...] os chamados atores sociais estão, de uma forma ou de outra, por demais comprometidos ou satisfeitos com o status quo.

Faço um reparo, porém, ao trecho final do texto pois, ao clamar para que José Serra e Aécio Neves assumam suas responsabilidades diante deste quadro me parece revelar, na melhor das hipóteses, uma grande ingenuidade...

Abraços, bons caminhos,

Raul Motta

Antonio Cicero disse...

Caro Reginaldo,

Basicamente, o que penso sobre Lula está expresso num artigo que escrevi em setembro do ano passado e que se encontra postado aqui, em http://antoniocicero.blogspot.com/2008/09/sobre-popularidade-de-lula.html.

Quem o ler verá que, diferentemente de Ferreira Gullar, vejo vários pontos positivos no governo de Lula. Entretanto, o artigo de Gullar me parece muito importante por chamar atenção para alguns gravíssimos pontos negativos, que nenhum eleitor consciente pode deixar de levar em conta, nas próximas eleições; pontos que tendemos a menosprezar ou “esquecer”, quando enfatizamos apenas os aspectos positivos da gestão de Lula.

Assim, é inegável que, de fato, como diz Gullar, “formou-se uma burocracia de neopelegos que passaram a ocupar posições estratégicas no aparelho de Estado e na máquina política”; e, acrescento eu, nas empresas estatais e mistas. Esses neopelegos de fato “enriquecem e se fortalecem politicamente”. Quem duvidar disso que leia (em http://www.andes.org.br/2009/noticias/correio.pdf, por exemplo) o artigo em que Amaury Ribeiro Jr. no Correio Braziliense de 23/07/2009, mostra que inúmeros sindicalistas, que antes faziam greves em favor dos petroleiros, ocupam hoje cargos de gerência na empresa e recebem vencimentos mensais de R$ 40 mil em média.

O que está a ocorrer é, portanto, o estabelecimento, se não a consolidação, em todo o aparelho de Estado, na máquina política e nas empresas estatais, de uma casta de burocratas que, como toda casta privilegiada, preocupa-se, em primeiro lugar, em manter e ampliar o seu poder político e econômico.

Se as coisas já estão nesse pé, imagine-se o que ocorrerá se Dilma for eleita. Aqui, de novo, o artigo de Ferreira Gullar é muito importante, pois chama atenção para o fato de que, nesse caso “ela terá que fazer dele (Lula) seu sucessor em 2014, e assim, caso isso ocorra, teríamos mais oito anos de Lula na Presidência da República, o que somaria, no total, 20 anos de lulismo. Ou mais, muito mais, porque pode não parar aí, já que, àquela altura, as bases do neopeleguismo e do neopopulismo estariam amplamente assentadas em todo o país”.

As experiências históricas de governos prolongados de um só partido, tais como a do México, para não falar das dos países socialistas, são lamentáveis. Como dizia Eça de Queiroz, “os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente: e pela mesma razão”.

Abraço

fred girauta disse...

Gullar se engana pelo menos num ponto, e num ponto importante. Esse peleguismo sindicalista de que ele fala foi inventado há muito pelo Vargas (este sim, a raposa das raposas). E nenhum presidente ou projeto político ousou acabar com esse estado de coisas, nem Juscelino, nem os militares, nem FHC. Lula, como os outros, apenas mantém esse estado de coisas.
E sobre a continuidade no poder é o que todos sempre quiseram, de Vargas a Lula. O que é preciso, a meu ver, é tentar descobrir outras maneiras de inserção política para a resolução dos nossos problemas. Esse sistema político-eleitoral(ou melhor dizendo, eleitoreiro) já se mostrou uma falácia, é mais do mesmo e as mudanças passam ao largo da nossa vontade. Precisamos pensar em outras coisas em vez de ficar atirando a esmo e à toa pra todos os lados. Precisamos pensar em pensar.
Acho que mobilizações populares pontuais, com objetivos específicos e precisos, podem nos fazer encontrar uma maneira nova de fazer política. Gabeira me parece um político que encampa essa ideia de inovação no modo de fazer política.
Gullar, não é de hoje, como pensador político é um excelente poeta. Sua crítica é superficial.

Bruno Etílico disse...

Que legal! Achei seu blog por acaso no google! Estava procurando um texto seu ("O Agoral") para um trabalho da faculdade e acabei caindo aqui! Adorei, porque adoro tudo que você escreve!
Vou colocar seu link no meu blog com certeza para eu não perder mais essa página de vista!!!

Um grande abraço!

Antonio Cicero disse...

Obrigado, Bruno.
Sinta-se em casa!
Abraço

Unknown disse...

Primeiro, não sei como saiu esse reginaldo.
Mas prezado Cícero, ora vc. conclui democraticamente que é um perigo para a democracia (????) a eleição de Dilma devido ao peleguismo sindical. Como disse outro comentarista, o peleguismo sindical não é invenção de Lula. Interessante que nunca li nada sobre o populismo e o projeto dos tucanos de se perpetuarem no poder, projeto fracassado, mas que não arrancou nenhum comentário desabonador do poeta maranhense. É nesse ponto que não entendo tal falta de memória. Outra coisa, não conheço disputa política que leve um candidato ao poder para que ele abdique em prol de seus adversários só para manter a falsa aparência democrática de que a troca de cargos é a materialização da liberdade do regime representativo. Franklin Roosevelt governou por dez anos os EUA e é lembrado como grande presidente. Ora, uma eleição é disputa de projeto de governo e não formalismos ou indiferença entre partidos políticos. Coisa estranha também é achar que o povo favorecido na melhoria de sua condição social deva ser ingrato, escolhendo um opositor do governo. Isso é cinismo, não é argumento válido. Creio que o país possui problemas sérios a serem enfrentados por qualquer governo, como a reforma do poder Judiciário e da impunidade dos graúdões, que mandam para a cadeia quem os investiga e ficam impunes. Não há argumento formal que possa encobrir tal desmando. Tomara que exista opções melhores do que a Dilma para fazer avançar as bandeiras populares de luta pela terra, distribuição de renda, melhoria das condições de saúde e educação. Opções reais, dizia Sartre.

Lucas Nicolato disse...

Caro Antonio,

Acho muito importantes os pontos levantados pelo Gullar.

E achei muito importante que você, que é alguém que apóia e reconhece o que há de bom no governo Lula, dê espaço para essa manifestação e também dê o seu apoio àquilo que traz de importante.

O que mais me assusta na possibilidade da continuidade do governo é esse clima que se criou de "conosco ou contra nós". Parece que apontar qualquer falha do presidente ou de seu partido é alta traição.

Como disse o Caetano, isso aqui não é a URSS. Mas acho que, se tivermos uma continuidade do governo por 20 anos, o país continuará se aproximarando da ditadura soviética em vários pontos bem críticos.

Temos muita sorte em ainda contar com espaços como este blog, onde a inteligência pode trabalhar sem restrições, e concordar apenas quando assim a razão lhe impelir, sem sermos taxados de "contra-revolucionários".

um abraço,
Lucas Nicolato

Antonio Cicero disse...

Reginaldo,

comento suas palavras (em itálico) a seguir:

Primeiro, não sei como saiu esse reginaldo.

Não entendi o que quer dizer isso.

Mas prezado Cícero, ora vc. conclui democraticamente que é um perigo para a democracia (????) a eleição de Dilma devido ao peleguismo sindical. Como disse outro comentarista, o peleguismo sindical não é invenção de Lula.

É cegueira não ver que houve uma mudança qualitativa para pior, no governo de Lula. Leia a matéria sobre os sindicalistas empregados pela Petrobrás! E é exatamente o fato de que há gente que não leu ou não se importa com isso que é mais preocupante. Chama-se “fanatismo” esse tipo de cegueira.

Interessante que nunca li nada sobre o populismo e o projeto dos tucanos de se perpetuarem no poder, projeto fracassado, mas que não arrancou nenhum comentário desabonador do poeta maranhense. É nesse ponto que não entendo tal falta de memória.

Que “projeto” foi esse? O fato de que FH tornou possível sua reeleição e depois passou o poder normalmente ao sucessor? Convenha que foi um projeto modesto. De novo, é muito diferente ficar, como Lula terá ficado, no ano que vem, dez anos no poder e ficar vinte, ou indefinidamente.

Outra coisa, não conheço disputa política que leve um candidato ao poder para que ele abdique em prol de seus adversários só para manter a falsa aparência democrática de que a troca de cargos é a materialização da liberdade do regime representativo.

Ninguém está pedindo para Lula abdicar ou deixar de ter candidato. Mas tem-se o direito de argumentar que não é bom que Dilma seja eleita e que não é bom que um partido, num regime presidencialista, fique tempo demais no poder. O populismo de Lula está se convertendo em autoritarismo. O de Dilma está passando das medidas, como quando foi cumprimentar o casal de “bispos” que havia sido preso nos Estados Unidos por fraudarem o fisco de lá.

Franklin Roosevelt governou por dez anos os EUA e é lembrado como grande presidente.

E por que não?

Ora, uma eleição é disputa de projeto de governo e não formalismos ou indiferença entre partidos políticos. Coisa estranha também é achar que o povo favorecido na melhoria de sua condição social deva ser ingrato, escolhendo um opositor do governo. Isso é cinismo, não é argumento válido.

A meu ver, a forma democrática, a forma da lei, e a alternância de partidos no poder é fundamental, numa democracia presidencialista. Chamar de “formalismo” essas formas trai o cinismo de quem despreza a democracia. Leia o meu artigo de 18/11/2007, aqui: http://antoniocicero.blogspot.com/2007/11/democracia-formal-ou-profunda.html.

Creio que o país possui problemas sérios a serem enfrentados por qualquer governo, como a reforma do poder Judiciário e da impunidade dos graúdões, que mandam para a cadeia quem os investiga e ficam impunes. Não há argumento formal que possa encobrir tal desmando.

Pior do que a impunidade dos graudões seria uma polícia política, como a PF esteve por vezes prestes a se tornar. Felizmente temos um poder judiciário independente. É exatamente a atitude de tentar desmoralizar os poderes que não se submentem ao grande líder que é a coisa mais perigosa. Talvez seja até a melhor razão para não se votar no Lula.

Tomara que exista opções melhores do que a Dilma para fazer avançar as bandeiras populares de luta pela terra, distribuição de renda, melhoria das condições de saúde e educação. Opções reais, dizia Sartre.

Dilma, para mim, não é sequer opção.

Unknown disse...

Poderia me arrastar nessa discussão contigo, fazendo tréplica de seus itálicos. Porém, com comentário moderado, fico apenas com o seguinte: alternância do poder mesmo contra a vontade do eleitor? Vejo aqui uma inclinação elitista para saídas de força, argumento exatamente contrário à defesa da ordem constituída. Ora, direito de escolher seus sucessores é direito democrático. Nessas horas os liberais de plantão não aparecem para citar a possibilidade de manutenção de um partido na condução do Estado, como no modelo idolatrado dos EUA. Não vou descer a miúdo, se aparelharam a Petrobrás, o Ipea etc, como a oposição é vezeira em afirmar, quando é deposta de cargos de confiança. Incrível mesmo é essa pobreza de partidos programáticos que em nossa história não florescem com vigor. Me diga com sinceridade se o projeto do FHC não seria voltar ao poder após o Serra vencer as eleições? Quem reclamou da criação do mensalão para se criar um segundo mandato inédito na história brasileira? Pois é, naquela época, quem militava na esquerda e aturava a truculência tucana, via claramente o modelo do PRI para o Brasil, via tucanato se eternizando no poder. Vc. pode esquecer, mas eu não. Acontece é que a bola do magnífico sociólogo murchou, não servindo nem para candidatura a síndico de seu prédio. Quanto às suas opções de voto respeito-as, revelam seu pensamento político.

gentil carioca disse...

Não me lembro mais de como cheguei por aqui, mas, em aqui estando...
"Se há governo, sou contra". Entretanto, pelo sim, pelo não, meu voto vai para Marina Silva, pela história de vida e pela eterna Elegância. E pelo PV, que ao menos se preocupa na continuidade...do planeta!
bj de uma admiradora.

Unknown disse...

Quanto ao seu comentário sobre o nosso Judiciário, é como disse o tribuno negro para o Mendes: saia às ruas!
Só mesmo lhe convidando para fazer o mesmo. Polícia política a PF é brincadeira sua ou senso comum. Onde estará o probo banqueiro Dantas nessas horas, rindo de tudo e de vc. também.
Sei lá, sinto cheiro daquela máxima em tudo isso: o povo não sabe votar, é conduzido como gado às urnas. São séculos do mesmo discurso.

Anônimo disse...

Antonio,

Muito bom o texto e a sua (Cicero) argumentação. Tinha lido o seu texto sobre o Lula e o achei coerente... Mas não posso deixar de dizer que creio que com Lula houve uma melhora imensa em nosso país!

Um poema meu:

"Se sou outro e não eu" - Para Mário de Sá-Carneiro.


Sempre penso ser dois,
Mas supondo sentir-me,
Pasmo: Que me redime
De mim enquanto dois?

Se sou outro e não eu,
Esse que desconheço,
(O oposto do começo)
Que em mim o concebeu?

Se pensando ou sentindo,
Se supondo ou provando
Ser quem sou, só sumindo.

Sonhando: mesmo quando
Em mim confuso findo
Ou fundo-me a meu bando.


Beijos,
Cecile.

Aetano disse...

Caro Cicero,

Diante dessa conversa toda, eu me pergunto:

"Que preconceitos eu devo ter?"

Confesso, ainda não sei! E acho que da minha indecisão, quer dizer, da minha ignorância, ressaltam algumas convicções, quais sejam:

1. Alternânica "já"!!! Não pq é Dilma. Não pq os preconceitos deles não coincidem com os meus. Mas por princípio: ALTERNÂNCIA "JÁ"!!!

2. Todo aquele que detém o poder tende a abusar dele (Montesquieu. Ou seja, a ignorância não é só minha!). Com isso quero dizer que FHC (LEIA-SE PSDB) TINHA SIM UM PLANO IMODESTO DE PERPETUAÇÃO... (será que não não deu certo pq os "sindicalistas" estavam na oposição... ou será que o mundo é mais complexo do que supõe a nossa vã filosofia?);

3. "O GLOBO" publicou, em 24/07/2009, a notícia de que, segundo a FGV, o Bolsa Família:

"garantiu em média três pontos percentuais, ou 2,9 milhões de votos, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições presidenciais de 2006, afirma o pesquisador Maurício Canêdo Pinheiro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

[...]

Segundo o estudo, o aumento de um ponto percentual no número de beneficiários do programa elevou em 0,55 ponto percentual a votação de Lula em 2006 na média. Já a mesma variação na taxa de crescimento econômico teve impacto de 0,21 ponto percentual. Pinheiro lembra que o crescimento do PIB não melhora diretamente a vida da população mais pobre. E pondera que a relação entre o Bolsa Família, criado em 2004, e a reeleição do presidente não é tão forte nem decisiva:

- Eram 11 milhões de famílias e foram 3 pontos percentuais, ou 2,9 milhões de votos. Dada a cobertura, é bem menos do que as pessoas imaginam."

Não obstante, o artigo de Ferreira Gullar - que tece uma analogia entre Chávez e Lula - manipula subliminarmente a ideia de que Lula "mantém programas sociais assistencialistas, que lhe garantem vasta popularidade..." (no texto, a acusação é contra Chávez... mas lembrem-se da analogia...).

Ou seja, não me importa colocar em pauta a dúvida suscitada, no caso brasileiro, pela pesquisa da FGV. Em tempo de eleições, valem mais os preconceitos, quer dizer, quem com ferro fere, com "Ferreira" será ferido;

4. Há um teto salarial no serviço público e eu filosoficamente me pergunto:

"será que esses neopelogos, esses sindicalistas (alguns oportunistas e hipócritas, tanto quanto muitos da classe artística) recebem acima do teto?".

Convicção: não sei! Se vc souber, denuncie aos órgãos de controle ou silencie invejosamente...

É isso! No mais, quero agradecer pelo espaço, pela gentileza, pela generosidade e pela instigação... e pedir desculpas se fui inconveniente...

Adoro vc, Cicero!

Aeta!

Antonio Cicero disse...

Reginaldo,

ninguém falou aqui de ir contra a vontade do eleitor. Meus argumentos são a favor da alternância, mostrando o perigo da permanência de um mesmo partido no poder por tempo indeterminado; mas, desde que isso não seja anticonstitucional, é o eleitor quem decide.

Para dizer a verdade, parece-me golpista exatamente essa tentativa de caracterizar como golpista todo argumento da oposição.

Unknown disse...

Muito pelo contrário, caro Cícero. Acho estranho é falta de projeto político da oposição, a não ser esse chororô. Ele sim, me parece como apegado ao sentimento que continuísmo só é bom quando é o que gosto, quando é o meu. O povo só saber votar quando vota nos meus, quando vota em mim. Isso é que me preocupa no liberalismo à brasileira.
Pior, que adianta relacionar um progama que resulta em benefíco às populações mais pobres com o voto? Para mim, mais iumportante é relacionar o leque de ações de distribuição de renda a partir do estado com sua efetividade no combate à pobreza extrema, seja bolsa-família, reajuste do mínimo e aposentadorias. A não ser que se acredite na tese de que é preciso crescer o bolo, que cresce e nunca é repartido.
Uma boa noite.

João Renato disse...

Prezados,
1) Eu não vou me meter na discussão que se formou porque acho inútil argumentar com alguém que já tenha uma posição fechada.
2) Gosto muito do Ferreira Gullar como poeta e como brasileiro. É um homem íntegro e com história pessoal marcante. Não gosto do Lula (já gostei). Nunca gostei do FHC.
3) As razões da popularidade (eu disse popularidade) do Lula e do Médice se parecem; eles foram presidentes num momento positivo para a economia mundial.
4) Dificilmente Serra e Aécio assumirão “a responsabilidade que lhes cabe”, pois estão preocupados com a próxima eleição e preferem não atacar o governo Lula-PT, que a maioria da população (certa ou errada) aprova.
5) Acho que a Dilma é o General Lott do Lula.
6) A minha preocupação é saber o que o PSDB e as outras forças políticas tem a oferecer como projeto de país que seja superior ao do PT, pois os populistas costumam ser melhores para o povo do que os seus críticos.
Abraço,
JR

Antonio Cicero disse...

Caro Reginaldo,

Creio que minha posição já ficou clara e não gosto de ficar me repetindo, de modo que, no que me toca, vou encerrar esta discussão.

Para resumir, penso que muita coisa melhorou no Brasil porque tivemos um período relativamente longo de governos de esquerda: primeiro do PSDB e, depois, do PT.

Creio que já deixei claro o que penso serem os pontos positivos do governo de Lula, no artigo já citado (http://antoniocicero.blogspot.com/2008/09/sobre-popularidade-de-lula.html), mas sou contra a mitificação de partidos ou seres humanos, na política. Querer atribuir ao PT todos os méritos é sectarismo.

O artigo de Gullar me parece importante por mostrar alguns aspectos lamentáveis do governo do PT, que devem ser levados em conta por todos, nas próximas eleições.

A democracia não deve ser confundida com a demagogia. O aparelho de Estado não deve ser partidarizado. A política externa deveria se pautar pela defesa dos direitos humanos. Ações ilegais -- inclusive as do MST -- não deveriam ser toleradas. Chamar atenção para essas coisas nada tem a ver com golpismo. Golpismo é chamar de "golpista" qualquer crítica que se faça ao partido ou ao governante que se encontre no poder.

Quanto aos diferentes projetos políticos, creio que ficarão mais claros à medida que se aproximem as eleições. Espero que o eleitor leve em conta tanto os aspectos louváveis quanto os deploráveis de cada candidato e de cada partido.

Pax disse...

"Golpismo é chamar de "golpista" qualquer crítica que se faça ao partido ou ao governante que se encontre no poder."

Esta frase deveria ser emoldurada.

Quando alguém no poder passa a não aceitar críticas com argumentos responsáveis, passou do meio do caminho entre a democracia em direção e sentido à ditadura.

Seja esta ditadura das oligarquias ou do proletariado, tanto faz.

Jefferson Bessa disse...

Veio a calhar a leitura do artigo de Ferreira Gullar e a discussão das pessoas aqui, pois está rolando pelo Brasil a pre-estreia do filme "Lula, o filho do Brasil" (o título já diz tudo!). Segundo as pessoas, tem uma abordagem afetiva(é previsível) e deixa, assim, a massa fervorosamente enfeitiçada e emocionada.
Lembrei-me, num outro contexto claro, dos filmes de Leni Riefenstahl :)
Com lançamento previsto para o início de 2010, temos aí o braço a trabalho na campanha para não haver nenhuma alternância.

Abraços
Jefferson

Nobile José disse...

As árvores somos nozes. O problema não é a oposição ser arrogante, mas o fato de o povo ter finalmente enxergado isso. O PSDB não se renova: são sempre os eternos gerentes, das planilhas, dos choques de gestão. Sobre os DEM, só posso relembrar o fora que o Agripino deu num depoimento da Dilma no senado: um vexame. Para que a alternancia ocorra, precisaríamos de alguém "tão-bom-quanto" o Lula, mas esse alguém não aparece.

Anônimo disse...

Quem é o vice da M. Silva? Pelo q li na imprensa, é um megaempresário do ramo de cosméticos, q aliás nem conheço. Marina por Marina, prefiro a Lima pra presidente! E Caetano de vice! Seria uma chapa imbatível!...

Unknown disse...

Se me permitir um último comentário, não chamaria de golpista, mas de intolerância. E desculpe-me aborrecê-lo com mais uma reminiscência dos tempos FHC, quando ampliaram a compra da mídia via propaganda de governo. Hoje, a tática fez escola e vale para o governo Lula também, mas o seu mais audaz praticante, governa Minas, mora no Rio e é um dos presidenciáveis do momento. Isso seria golpismo? Não creio, mas intolerância que não poderia conviver com o ambiente democrático. Um abraço e até algum dia.

EDSON DA BAHIA disse...

Visão profundamentemente lúcida do nosso grande poeta Gullar.
Aqui, Cícero, a gente bebe, de verdade, a água mais pura e cristalina.
Avante!!! Êpa, Babá!

Roberto Novaes disse...

Acho que o principal mérito do Gullar, nesse texto, tenha sido o de provocar a discussão profundamente democrática que se estabeleceu.

Entretanto, sua análise me pareceu absolutamente parcial e poluída por uma mágoa profunda - que ele sabe bem onde nasce - e proporcionalmente distante da perspectiva dos que, até ontem, estavam excluídos (de perspectivas, inclusive).

Os alcances produzidos pelos programas sociais, nos últimos oito anos, ficarem de fora de qualquer análise, dando lugar ao denuncismo dos vícios que nos são seculares e, por isto mesmo, não exclusivos do Lula ou do PT é artimanha típica da dissimulação tucana.

Os bem nascidos, enquanto ocuparam TODOS os altos cargos das estatais, não incomodavam a ninguém. Nem ao Gullar. Basta um sindicalista ser nomeado e surge uma grita geral contra o fisiologismo.

Os "pontos negativos" do governo Lula não lhe são exclusivos, repito. São vícios seculares da República e da democracia representativa. Mas são atribuídos ao lulismo com tanta paixão e tanta badalação que acabam por ganhar ares de verdade inapelável.

Os avanços sociais, defendidos pela oposição como criações da era FH, se constituem justamente em ter aproveitado parte do orçamento que virava esmola em projetos desconexos e com prazo de validade definidos e transformá-los em direitos de cidadania, integrando-os a programas complementares mais concretos em formação profissional, principalmente. Prestar-se a analisar o governo Lula com foco apenas em escândalos noticiados na capa da Veja, é de um reducionismo injusto, pra dizer o mínimo.

É necessário que se visitem, hoje, cidades-fantasmas de ontem e, antes de qualquer coisa, partir do princípio de que o Brasil é bem maior que a Via Dutra. Sem isto, não há como construir qualquer análise objetiva.

Valeu pela provocação.