31.8.12

Pedro Bloch: de "Sem pedras no caminho"




Sem pedras no caminho

Carlos Drummond de Andrade ("o maior poeta que o Brasil já teve", na opinião de Manuel Bandeira) recebe aquele estudantezinho atrevido que, de saída, lhe pergunta, sem a menor cerimônia, já amigo de "tu":

-- Onde nasceste?

A vontade de Drummond seria responder: "Em Itabiriste". Mas contém e fica à espera. O menino, decididamente da extrema esquerda, quer que todos assumam posição no mundo de hoje. E pergunta:

-- Drummond, qual é a posição de escritor nos dias que vivemos?

Este não hesita e dispara:

-- A posição de escritor pode ser de pé, sentada ou deitada, conforme lhe resulte mais cômodo.

E, diante do espanto do menino, aconselha:

-- Menino, se você não é comunista, vá sendo logo, que é para deixar de ser depressa. Eu também já fui e deixei.

[...]



BLOCH, Pedro. "Sem pedras no caminho". Originalmente publicado na revista Manchete em junho de 1963. In: Carlos Drummond de Andrade. Org. por Larissa Pinto Alves Ribeiro. Rio de Janeiro: Azougue, 2011.

30.8.12

Lançamento do livro "Forma e sentido contemporâneo: Poesia"




Na próxima terça-feira, 4 de setembro, a partir das 19h30, será lançado o livro Forma e sentido contemporâneo: poesia, com textos inéditos de Tzvetan Todorov, Marjorie Perloff, Michel Deguy e José Miguel Wisnik, entre outros, no Oi Futuro do Flamengo. Vejam o convite:


Clique na imagem para ampliá-la:


28.8.12




§100

[...]

Rien faire comme une bête , deitar na água e calmamente olhar para o céu, ‘ser, nada mais, sem qualquer determinação ou realização ulterior’ poderiam tomar o lugar de processo, ato, realização, e assim verdadeiramente cumprir a promessa da lógica dialética de desembocar em sua origem. Nenhum dos conceitos abstratos chega mais perto da utopia realizada do que o da paz eterna.




ADORNO, Theodor. Minima moralia. Frankfurt: Suhrkamp, 1969,

26.8.12

Antonio Cicero em Leituras Sabáticas, na TV Estadão




Ontem foi ao ar a minha participação nas Leituras Sabáticas da TV Estadão, do jornal O Estado de São Paulo. Ficou assim:


25.8.12

Johann Wolfgang von Goethe: sobre o artista




O artista tem com a natureza uma relação dupla: é seu senhor e seu escravo ao mesmo tempo. É seu escravo, na medida em que tem que trabalhar com meios terrestres, para se fazer entender; porém é seu senhor, na medida em que submete esses meios terrestres às suas intenções mais elevadas e os torna servos das mesmas.




GOETHE, Johann Wolfgang von. Briefe, "Gespräche". In: Briefe, Tagebücher, Gespräche. Eingerichtet von Mathias Bertram. Berlin: Directmedia, 1998. CD-Rom.

23.8.12

Salvatore Quasimodo: "Specchio" / "Espelho": trad. Geraldo Holanda Cavalcanti




Espelho

E eis que do tronco
rompem-se os brotos:
um verde mais novo da relva
que o coração acalma:
o tronco parecia já morto,
vergado no barranco.

E tudo me sabe a milagre;
e eu sou aquela água de nuvens
que hoje reflecte nas poças
mais azul seu pedaço de céu,
aquele verde que se racha da casca
e que tampouco ontem à noite existia.


Specchio

Ed ecco sul tronco
Si rompono gemme:
un verde più nuovo dell’erba
che il cuore riposa:
il tronco pareva già morto,
piegato sul botro.

E tutto mi sa di miracolo;
e sono quell’acqua di nube
che oggi rispecchia nei fossi
più azzurro il suo pezzo di cielo,
quel verde che spacca la scorza
che pure stanotte non c’era.



QUASIMODO, Salvatore. Poesias. Seleção, trad. e notas de Geraldo Holanda Cavalcanti. Rio de Janeiro: Record, 1999.

21.8.12

Paulo Guedes: "Socialismo tardio"




O seguinte -- excelente -- artigo do economista Paulo Guedes foi publicado em O Globo na segunda-feira, 20 de agosto:


Socialismo tardio

“Presidentes que não saem do ar: Hugo Chávez, da Venezuela, Cristina Kirchner, da Argentina, e Rafael Correa, do Equador, usam redes nacionais de rádio e TV para impor sua visão”, informa O GLOBO de ontem em matéria que revela como arma política o “microfone estatal a serviço do poder”.

Estive em Cuba com minha família há apenas alguns anos. Fidel Castro era ainda presidente. Quando liguei a televisão no hotel e percorri os canais, o comandante estava em todos eles. Era ainda pior do que esse clássico sintoma de tiranetes em ascensão que se comunicam com frequência em cadeias nacionais de televisão.

Filmado em diferentes ocasiões, em longuíssimos discursos, fazia preleções para crianças em escolas, presidia reuniões políticas, exortava jovens em cerimônias de formatura universitária, recebia delegações políticas estrangeiras, em onipresente tentativa de lavagem cerebral.

Entusiasmante nos primeiros minutos, tolerável por meia hora e insuportável a partir de então. Chávez, a cuja visita pude assistir naquela ocasião, teve mesmo em Fidel um grande mestre.

Hoje sabemos todos que Lula não era Chávez. Mas nem todos sabíamos que o Brasil não é a Venezuela. O antigo procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza sabia. O atual procurador-geral, Roberto Gurgel, e o ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa também. Quem não sabia era a turma do mensalão.

Há quem, ainda hoje, acredite na concentração dos poderes políticos, na centralização administrativa, na estatização da economia e no controle da mídia como receitas adequadas para o Brasil. O equívoco intelectual tem nome: um exacerbado socialismo nacionalista.

Essa é uma estrada conhecida, trilhada à “esquerda” e à “direita” por regimes totalitários que infelicitaram milhões de seres humanos. Enveredaram por esse caminho as ditaduras de partido único da Itália de Mussolini, da Alemanha de Hitler, da Rússia de Stalin. O caminho da servidão.

“Mussolini foi antes de tudo um socialista. O ingrediente nacionalista foi também virulento. O fascismo italiano é, como o nazismo alemão, um nacional-socialismo”, diagnostica o insuspeito e lúcido Edgar Morin, em “Cultura e barbárie europeias” (2005). O socialismo bolivariano é a doença latina do século XXI.

19.8.12

Lançamento do livro de poemas "Porventura" em São Paulo



Convido os amigos e leitores do blog residentes em São Paulo para o lançamento do meu novo livro de poemas, "Porventura", que terá lugar amanhã (segunda-feira), a partir das 19h30, no Espaço Revista Cult, na Rua Inácio Pereira da Rocha, 400, em Vila Madalena.





17.8.12

Vinícius de Moraes: "A anunciação"




A anunciação

Virgem! filha minha
De onde vens assim
Tão suja de terra
Cheirando a jasmim
A saia com mancha
De flor carmesim
E os brincos da orelha
Fazendo tlintlin?
Minha mãe querida
Venho do jardim
Onde a olhar o céu
Fui, adormeci.
Quando despertei
Cheirava a jasmim
Que um anjo esfolhava
Por cima de mim...



MORAES, Vinícius de. Nova antologia poética. Org. por Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

14.8.12

"Por que escreve?"





Remexendo no meu computador, achei a resposta que, em janeiro de 2011, dei ao Marcos Lopes, professor do Departamento de Teoria Literária da UNICAMP, quando ele me fez a pergunta: "Por que escreve?". Hoje, por ocasião do lançamento do meu novo livro de poemas, Porventura, achei interessante publicá-la.


Marcos Lopes: Por que escreve?

Antonio Cicero: Evidentemente, a pergunta não diz respeito à razão pela qual escrevo coisas tais como e-mails, currículos, listas de compras etc. O que se quer saber é por que escrevo as coisas pelas quais sou considerado escritor, isto é, por que escrevo poemas e ensaios. Ora, escrevo poemas por umas razões e ensaios por outras.

Mas há, de fato, uma razão pela qual escrevo tanto poemas quanto ensaios: uma razão pela qual me tornei escritor. É que toda fala – inclusive a fala (o desenrolar) do pensamento – parece-me deficiente. É através da escrita que adquiro posse real do meu próprio pensamento. Assim, para mim, a fala, quando não tem um sentido meramente utilitário, é uma espécie de protorrascunho da escrita.

No que diz respeito à teoria, isso quer dizer que não se consegue ser suficientemente preciso a menos que se use a escrita para tornar as ideias claras e distintas, como queria Descartes. Só a escrita permite a revisão, a análise e a correção do discurso. A fala é o domínio privilegiado da falácia retórica. A escrita falaciosa é a que está impregnada de fala. Através da escrita e da reescritura tento captar e eliminar ao máximo as falácias: em primeiro lugar, as do meu próprio pensamento; em segundo lugar, as dos pensamentos alheios.

Quanto à poesia, considero um poema como uma obra de arte elaborada com palavras. Ora, é a escrita que permite a elaboração mais cuidadosa. Para produzir uma obra de arte elaborada com palavras é preciso – tendo em vista finalidades inteiramente diferentes das teóricas – rever, analisar e corrigir o seu esboço tantas vezes quantas se fizerem necessárias.

A fala – inclusive, como eu já disse, a do pensamento – constitui um protorrascunho. A partir desse protorrascunho, escreve-se o primeiro rascunho. É preciso passá-lo a limpo, isto é, retirar-lhe tudo o que não lhe pertence por direito, modificar o que deve ser modificado, adicionar o que falta, reduzi-lo ao que deve ser e apenas ao que deve ser. Nesse procedimento, vários rascunhos se sucedem. Sem a escrita isso seria impossível.

Mas talvez a pergunta seja: Por que escrevo poemas? A resposta se encontra guardada no meu poema Guardar. Seu final diz:

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se
declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.

13.8.12

Entrevista a Luciano Trigo




Hoje foi publicada no "Portal G1" (http://g1.globo.com/platb/maquinadeescrever/) a entrevista que dei para Luciano Trigo sobre o livro Porventura, que estou lançando hoje, na Livraria da Travessa de Ipanema, a partir das 19h.

12.8.12

Oscar Wilde: de "O crítico como artista"




Os seres humanos são escravos das palavras. Indignam-se contra o Materialismo, como dizem, esquecidos de que jamais houve melhoria material que não tenha espiritualizado o mundo e que tem havido poucos, se é que algum, despertar espiritual que não tenha desperdiçado as faculdades do mundo em esperanças estéreis e aspirações improdutivas, e crenças vazias ou estorvantes. O que chamam de “pecado” é um elemento essencial do progresso. Sem ele, o mundo estagnaria ou envelheceria, ou se tornaria sem graça.



WILDE, Oscar. "The critic as artist". In:_____. The works of Oscar Wilde. London: Collins, 1980.

10.8.12

Lançamento do livro "Porventura", de Antonio Cicero




Clique na imagem do convite, para ampliá-la:

8.8.12

Antonio Cicero: "Na praia"




Eis um poema do meu novo livro, Porventura, que será lançado, no Rio de Janeiro, na próxima segunda-feira, dia 13, na Livraria da Travessa de Ipanema e, em São Paulo, na segunda-feira seguinte, dia 20, no Espaço Revista Cult, na Rua Inácio Pereira da Rocha, 400, Vila Madalena.


Na praia

Na praia –- parece que foi ontem --
ficávamos dentro d’água eu,
Roberto, Ibinho, Roberto Fontes
e Vinícius, a água era um céu,
e voávamos nas ondas trans-
parentes, deslizantes, do azul
mais profundo do fundo ciã
do oceano Atlântico do sul.
Mas era outro século: Roberto
morreu, morreu Vinícius, Roberto
Fontes quase nunca vejo, e Ibinho
casou e mudou. Já não procuro
o azul. Os mares em que mergulho
são os homéricos, cor de vinho.




CICERO, Antonio. Porventura. Rio de Janeiro: Record, 2012.

5.8.12

José Castello: "Cicero em transe"




O seguinte artigo de José Castello foi publicado no suplemento "Prosa e Verso", do jornal O Globo, no dia 3 de agosto:


Cicero em transe

Nas mãos hábeis de Antonio Cícero, a poesia se transforma em uma dança. E o poeta, em uma dança. O próprio Cícero descreve: “Eram palavras aladas/ e faladas não para ficar/ mas, encantadas, voar”. Refere-se aos juramentos de amor, que fazemos entrelaçados na cama, envoltos nos lençóis da língua. Palavras em que a sedução vale mais que a eficácia. “Carícias que por lá/ sopramos: brisas afrodisíacas/ ao pé do ouvido, jamais contratos”. Vivemos no século das transações, dos acordos jurídicos e dos compromissos comerciais. Mundo em que o desejo parece não só imprestável, mas vergonhoso. Pois a poesia, com sua dança, é o terreno do desejo. Enquanto o mundo se verticaliza na ilusão do poder, o poeta se deita para dele duvidar.

Leio os versos de Antonio Cícero em “Porventura”, sua nova e inspiradora coletânea de poemas (Record). Leio e meu coração de leitor também balança. Homens que sabem o que querem não leem versos. “Jamais serei plenamente adulto:/ antes de sê-lo, serei velho”, escreve o poeta, desprezando as certezas que petrificam. A suspeita de que jamais será completamente adulto (pedra) é uma aposta no movimento. O poeta não apenas dança, mas gira, e com seu giro perfura a casca da arrogância. Entra em transe, vive em transe: para o poeta, escrever é uma dança que não se esgota.

Dois mestres surgem em cena, dois poetas, grandes poetas: o anglo-americano W. H. Auden (1907-1979) e o irlandês W. B. Yeats (1865-1939). “Eu exaltaria Auden/ viajante atormentado/ dialético e bizarro”. No mundo da sensatez, das fotocópias autenticadas e da moda, é útil reler Auden que, mesmo educado nos rigores de Oxford, frequentou a esquerda radical e viveu sua homossexualidade abertamente em plenos anos de 1930. “Ou quem sabe, Yeats, numa tarde/ feito essa, tão vadia/ possa a leitura da tua/ poesia, pura Musa,/ inspirar a minha arte/ se eu lhe implorar”. Também Yeats entregou-se ao transe, misturando o hinduísmo, as crenças teosóficas e o ocultismo, e levou a loucura romântica a seu limite. Auden e Yeats, no entanto, se estranhavam. Um via no outro, talvez, o grande rombo que não percebia em si. Indiferente a essas diferenças, Cícero os incorpora. E dança com eles, na grande sala da poesia.

Entrega-se, assim, ao transe das palavras, em que a vida se torna sagrada. Não porque ela repita os textos antigos, ou manifeste a voz de um deus, mas simplesmente porque se reafirma como vida. “Eis o que torna esta vida/ sagrada:/ ela é tudo e o resto, nada”. Lembra-nos o poeta que o único fim (sentido) da vida é a morte, “e não há, depois da morte,/ mais nada”. A constatação, que a alguns deprime, e em outros inocula o cinismo, ao colocar a vida em seu próprio fim, na verdade a engrandece. A vida, essa dança desequilibrada na qual, tontos, mas cheios de calor, resistimos. A vida, à qual a grande poesia — como a de Antonio Cícero — sempre se agarra.

Ao evocar Arquimedes de Siracusa, físico e astrônomo da Grécia Antiga, o poeta recorda as quadraturas, os cálculos de areia, as esferas, cilindros e estrelas, para em seu nome dizer: “nada do que realizei se encontra à altura/ do que há por fazer./ A matemática é longa,/ a vida breve”. Tristes os que acreditam nas sínteses, nos gráficos e nas grandes soluções — enquanto a vida se arrasta como um rio interminável. Tudo o que fazemos, dizemos, escrevemos, é sempre pouco. Muito pouco. O real nos ultrapassa, e por isso real é. O poeta é aquele que não se banha duas vezes nas mesmas águas. Não bloqueia, não detém, não recolhe: entrega-se. Como Arquimedes, um homem cuja ciência, muito mais estreita que o mundo, conservava a consciência do pouco que (apesar de tudo) tinha a dizer.

A vida é desejo e, por isso, nunca chega a si, sempre está aquém de si. No livro de Antonio Cícero, um pequeno poema, “Desejo”, diz tudo: “Só o desejo não passa/ e só deseja o que passa/ e passo meu tempo inteiro/ enfrentando um só problema:/ ao menos no meu poema/ agarrar o passageiro”. Na vida contemporânea, nos habituamos às escadas rolantes que levam sempre às mesmas vitrines. Às religiões ortodoxas, que repetem sempre as mesmas verdades. Ao pragmatismo, que conduz sempre ao mesmo cinismo. Quase não há mais vida (movimento e passagem) na vida contemporânea. Uns poucos — os poetas — insistem em agarrá-la. Insistem em se fixar no instante que, mal é, já não é mais. Só os poetas suportam a fluidez na qual, apesar de nossa indiferença, estamos mergulhados.

“Que não se engane ninguém:/ ser um poeta é uma África”, escreve Cícero. Em um mundo que se entrelaça em uma grande rede, na qual tudo se vende e tudo se expõe, o poeta aponta a inutilidade de seu gesto. “Exporei tudo na rede/ sem ganhar nem um vintém”. O poeta sabe que trabalha nas bordas, ali onde as verdades escorrem, e que trabalha com as sobras, ali onde ninguém mais deseja. “Eis o que consegui:/ tudo estava partido e então/ juntei tudo em ti”. Partes que não se encaixam, palavras que não se completam, certezas que se esfarelam: “eu quis correr esse risco antes de virar/ pó”. O risco do poeta é o risco de existir. Pode haver aposta mais bela?

No mundo do tempo real, nos asfixiamos em notícias e fatos que, muito raramente, tocam o real. Nesse universo hiperiluminado, de imagens feéricas e figuras chapadas, desprezamos as entrelinhas. Contudo, é nelas que a vida não só se costura, mas respira. O poeta coloca-se em outro lugar, que Cícero descreve assim: “É aqui, mais real que as notícias, na própria/ matéria, na dobradura de uma folha”. Ali permanece, espremido em um vão, entre “linhas e planos apenas esboçados”. Quem aguenta, hoje, a imprecisão de um esboço? Quem suporta o meio do caminho, onde nada se afirma e nada se completa? Pergunta o poeta: “Não será a saída um desvio/ e o caminho o único fim?” Questão incômoda, que arruína nosso mundo de balancetes e de planilhas, enquanto o poeta, resignado a ser, limita-se a respirar. Respira o grande rio que o arrasta. Respira as coisas do mundo e, sempre suspeitando de si, se pergunta: “dar a mim mesmo este presente?”

2.8.12

Adonis: "Fim do céu": trad. Michel Sleiman




Fim do céu

Sonha em jogar os olhos nas
profundezas da cidade próxima
sonha em dançar no abismo
em ignorar os dias que devoram
as coisas, os dias que engendram as coisas
sonha em levantar, em fluir como o mar
em apressar os segredos
começando um céu

no fim do céu.



ADONIS. Poemas. organização e tradução de Michel Seliman. Apresentação de Milton Hatoum. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.