30.11.13

Ingeborg Bachmann: ["Em cada obra..."] / trad. de Vera Lins






Em cada obra, há uma falta que impele a outra obra. O entusiasmo com alguns textos é o entusiasmo pela folha branca ainda não escrita".



BACHMANN, Ingeborg. Cit. por LINS, Vera. In:_____. Ingeborg Bachmann. Ciranda da poesia. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2013.

29.11.13

Lançamento da revista-disco BLISS NÃO TEM BIS

HOJE! Às 18h30, lançamento da revista-disco BLISS NÃO TEM BIS,  na UERJ


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26.11.13

W.B. Yeats: "Death" / "Morte": trad. José Agostinho Baptista





Morte

Nem temor nem esperança assistem
Ao animal agonizante;
O homem que seu fim aguarda
Tudo teme e espera;
Muitas vezes morreu,
Muitas vezes de novo se ergueu.
Um grande homem em sua altivez
Ao enfrentar assassinos
Com desdém julga
A falta de alento;
Ele conhece a morte até ao fundo —
O homem criou a morte.



Death

Nor dread nor hope attend
A dying animal;
A man awaits his end
Dreading and hoping all;
Many times he died,
Many times rose again.
A great man in his pride
Confronting murderous men
Casts derision upon
Supersession of breath;
He knows death to the bone –
Man has created death.



YEATS, W.B. Uma antologia. Seleção e tradução de José Agostinho Baptista. Lisboa: Assírio & Alvim, 2010.


24.11.13

Izacyl Guimarães Ferreira: "Altamira e Alexandria §44"





44

Onde estão todos eles, os que há pouco
riam, cantavam, dançavam nos palcos
e bares da cidade antiga? Onde,
onde as falas e os beijos, nosso olhar
a tecer um passado que não passa
e quer guardar-se contra toda palha?

Onde o ombro do amigo para o medo,
a confidência e os sonhadores planos?
E aquela que partiu como um segredo
nas fogueiras acesas desses anos?
Como salvar das perdas nossos ganhos,
cantando os vinhos e as danças de antanho?



FERREIRA, Izacyl Guimarães. Altamira e Alexandria. São Paulo: Scortecci, 2013.

22.11.13

Eugénio de Andrade: "Frutos"





Frutos

Pêssegos, peras, laranjas,
morangos, cerejas, figos,
maçãs, melão, melancia,
ó música de meus sentidos,
pura delícia da língua;
deixai-me agora falar
do fruto que me fascina,
pelo sabor, pela cor,
pelo aroma das sílabas:
tangerina, tangerina.




ANDRADE, Eugénio. Poemas de Eugénio de Andrade. Seleção, estudo e notas de Alberto Saraiva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

21.11.13

Erick Monteiro Moraes: "PRIMAVERA-VERÃO" / Adriano Nunes: Sobre 'PRIMAVERA-VERÃO', de Erick Monteiro Moraes



Abaixo, o leitor encontrará um poema que o Erick Monteiro Moraes enviou para o blog e um comentário sobre esse poema, que me foi enviado pelo Adriano Nunes:


Poema do Erick:


PRIMAVERA-VERÃO

Sentir o frescor
domesticado das pétalas
do ventilador.



Comentário do Adriano:


o poema do Erick é bastante belo, por vários motivos: sintético, por ser uma haicai, obedece à métrica 5/7/5, dá-nos a imagem de duas estações ao mesmo tempo: primavera (pétalas) e verão ( ventilador). Mas a mágica se dá pela escolha das palavras. Veja que "primavera" começa com "P" assim como "pétala". "Verão" começa com "V" assim como "ventilador". A palavra "domesticado" tem um sentido brilhante: o fato de o ventilador ser controlado, ter velocidade controlada, as pétalas girarem sob comando. Quando a gente tira certas flores, como margaridas em que a haste verde e a coroa de pétalas amarelas formam uma hélice, brincamos , muitas vezes, de girá-las. Pois é. É um pequeno grande poema. Desses que acontecem poucas vezes. Não sou fã de haicais, mas não posso deixar de dizer que fiquei impressionado com a beleza desse poema.




20.11.13

FLUPP: Festa Literária das Periferias



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19.11.13

Cacaso: "Lar doce lar"




             Lar doce lar

                                                 Para Maurício Maestro

Minha pátria é minha infância:
por isso vivo no exílio.        




CACASO. "Lar doce lar". In: MORICONI, Ítalo (org.). Destino: poesia. Antologia. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.

16.11.13

Johannes Bobrowski: "Ebene" / "Planície": trad. Antonio Cicero




Planície

Lago.
O lago.
Afundadas
as bordas. Sob as nuvens
o grou. Branco, iluminando
milênios
de povos pastores. Com o vento

eu ia subindo a montanha.
Aqui viverei. Caçador
eu era, mas me agarrou
a grama.

Ensina-me a falar, grama,
ensina-me a ficar morto e a escutar,
longamente, e a falar, pedra,
ensina-me a ficar, água,
e vento, não me interrogues.



Ebene
See.
Der See.
Versunken
die Ufer. Unter der Wolke
der Kranich. Weiß, aufleuchtend
der Hirtenvölker
Jahrtausende. Mit dem Wind

kam ich herauf den Berg.
Hier werd ich leben. Ein Jäger
war ich, einfing mich
aber das Gras.

Lehr mich reden, Gras,
lehr mich tot sein und hören,
lange, und reden, Stein,
lehr du mich bleiben, Wasser,
frag mir, und Wind, nicht nach.




BOBROWSKI, Johannes. Schattenland Ströme. Stuttgart: Deutsche Verlags-Anstalt, 1963.

15.11.13

Leonardo Sakamoto: "Obrigado, São Paulo! Este congestionamento recorde é motivo de orgulho"

O seguinte, ótimo, artigo de Leonardo Sakamoto foi publicado no Blog do Sakamoto (http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/author/sakamoto/em 14/10:


Obrigado, São Paulo! Este congestionamento recorde é motivo de orgulho

Este é um dia histórico, daqueles para se guardar no coração: batemos o recorde de congestionamento em São Paulo! Foram 309 quilômetros de geométricos engarrafamentos, às 18h, desta véspera de feriado. Nunca na história da cidade houve tanto carro enfileirado em um hipnotizante anda-e-para.
Estou realmente emocionado e queria agradecer a todos que tornaram isso possível.
#orgulhopaulistano
#orgulhobandeirante
#SPagregavaloraocamarote
Obrigado às gerações de gestores municipais, estaduais e federais que elaboraram políticas voltadas a beneficiar o transporte individual em detrimento ao coletivo, seja para deslocamento municipal, regional e interestadual. Obrigado por terem incentivado financeiramente a população a comprarem seus bólidos para suprirem as frustrações do dia-a-dia sob a justificativa de geração de empregos ao invés de usarem esses recursos na criação de postos de trabalho para a fabricação e veiculação de ônibus, trens, bondes e na reestruturação da malha urbana para acolher ciclistas e pedestres.
Obrigado a eles também pela falta de ações para descentralizar o desenvolvimento econômico, forçando moradores, principalmente os mais pobres, a cruzarem a cidade ao invés de poderem trabalhar, estudar e se divertir perto de casa.
Obrigado imensamente à indústria automobilística. Sem vocês, e suas campanhas, seria impossível o paulistano compreender a principal regra da cidade: quem não possui um carro é a titica do cavalo do bandido.
E, por fim, mas não menos importante, agradecer a você, eleitor e consumidor. Essa conquista também é sua.
Vamos, vamos comemorar! Ouça um Chico Buarque no trânsito. E, se não for o motorista, leia uma biografia. Não se preocupe, tem tempo.

E entorpecido pela promessa vazia da liberdade dos comerciais de TV que vendem sonhos em 60 vezes, aproveite para esquecer que a vida enjaulada no trânsito da metrópole não é vida.

13.11.13

Sophia de Mello Breyner Andresen: "A casa térrea"




A casa térrea

Que a arte não se torne para ti a compensação daquilo que não
                                                                            [soubeste ser
Que não seja transferência nem refúgio
Nem deixes que o poema te adie ou divida: mas que seja
A verdade do teu inteiro estar terrestre

Então construirás a tua casa na planície costeira
A meia distância entre montanha e mar
Construirás -- como se diz -- a casa térrea --
Construirás a partir do fundamento



ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. "O nome das coisas". In:_____. Obra poética. Alfragide: Caminho, 2011.


10.11.13

Rubem Fonseca: "Restos"





Restos

O garçom era um velho
habituado a ouvir as queixas dos fregueses
enquanto esperava
a aposentadoria e a morte.
Tinha um rosto branco
enrugado e triste.
Enquanto isso,
a freguesa da mesa da frente,
com ávida sensibilidade de radar,
corria o olhar de um lado para o outro,
procurando machos ainda curiosos
de sua beleza evanescente.
Quando saímos,
éramos os últimos,
uma fila disciplinada de fodidos
esperava os restos finais do dia.
Os restos dos restos
iriam depois para os cães
ainda mais famintos.
Era uma mulher magra
de lábios finos.



FONSECA, Rubem. Amálgama. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013.

8.11.13

Entrevista para Pedro Vale, do jornal "Tribuna do Norte"

Eis a entrevista que dei, na semana passada, para o Pedro Vale, da Tribuna do Norte, de Natal: 





1 - O que podemos esperar da aula espetáculo que vai acontecer no dia de abertura da Feira?
Pela primeira vez, Marina e eu vamos, lado a lado, falar em público sobre nossa parceria, explicando como começou, como compomos nossas canções, de que modo nos inspiramos para compor algumas delas, o que pensamos de nosso trabalho conjunto etc. Acho que nós mesmos não sabemos bem o que esperar desse encontro, mas esperamos que dê certo e seja interessante para o público.

2 - Há diferença entre se escrever a letra de uma canção e se escrever para um livro?
Sim, pois escrevo minhas letras, em geral, para melodias já prontas, que me são dadas por meus parceiros ou parceiras. Logo, não posso deixar de levar em conta não só a própria melodia, com todas as suas sugestões, como o parceiro ou parceira em questão, e a pessoa que deverá cantar a canção final. Já quando escrevo um poema, não penso senão no que vai acontecendo na minha cabeça enquanto o escrevo.

3 - Quais os benefícios de se ter a(o) irmã(o) como parceira(o) de trabalho?
A vantagem é a intimidade que os irmãos têm. Na hora de compor e de dizer por onde achamos que a canção deve ir, é bom não ter muita cerimônia.

4 - Como a sua musicalidade influencia os seus escritos (os que, evidentemente, não sejam letras de música)?
Na verdade, não sei se sou tão musical assim. Quem é musical é a Marina. Eu faço apenas as letras. Não toco nenhum instrumento e sou inteiramente desafinado. O que acontece é que presto muita atenção ao aspecto sonoro – por exemplo, ao ritmo – da própria linguagem e, naturalmente, ao fazer um poema, sou capaz de usar qualquer um dos recursos de versificação que me ocorrerem.

5 - Quais músicos atuais você escuta e quais escritores dessa geração você lê?
Escuto, por exemplo (e por ordem alfabética) , Adriana Calcanhotto, Arnaldo Antunes, Arthur Nestrovski, Arthur Nogueira, Caetano Veloso, Cid Campos, João Bosco, José Miguel Wisnik, Leo Cavalcanti, Luis Tatit, Martinália, Péricles Cavalcanti...


6 - Que artistas, sejam de qual época e de qual mídia for, inspiraram o seu trabalho?
Muitos; por exemplo (em ordem alfabética) Anacreonte,  Baudelaire, Bob Dylan, Caetano Veloso, Calímaco, Catulo, Drummond, Hölderlin, Horácio, Rilke, Rimbaud, Shakespeare, T.S. Eliot, Vinícius, Yeats...                                                                            

7 - Como a maturidade e experiência adquiridas em décadas de fazer artístico e intelectual influenciam sua produção atual?
Não sou eu a melhor pessoa para julgar meu próprio trabalho e minha própria evolução. Não sei dizer.

8 - Depois de já ter trilhado por tantas mídias diferentes, que novidades podemos esperar de você no futuro?
Quando muito, novos poemas, novas letras e novos ensaios de filosofia.

9 - Não podemos deixar de falar das biografias não-autorizadas. Você é a favor ou contra? Por quê?

Sou contra a proibição de biografias não autorizadas. Parecem-me inconstitucionais os artigos 20 e 21 do código civil, pois contradizem o artigo 5º, inciso IV da Constituição, segundo o qual “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, e contradizem o artigo 5º, inciso IX, segundo o qual “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. E o inciso do mesmo artigo 5º que trata da privacidade, que é o X, diz apenas que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, ASSEGURADO O DIREITO À INDENIZAÇÃO pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Ou seja, o máximo que se pode pretender é a indenização pelo dano moral, mas jamais a proibição da publicação de um texto. Assim, o que devemos lutar, no Brasil, é para que a justiça, não apenas nesse caso, mas sempre, seja mais ágil; e para que, no caso específico do “dano material ou moral” que uma biografia difamante cause no biografado, seja realmente substancial a indenização imposta ao biógrafo. Acho também que deve ser punida qualquer violação ILEGAL da privacidade de uma pessoa. Ninguém tem o direito, por exemplo, de violar minha correspondência ou de clandestinamente escutar minhas conversas telefônicas.  

5.11.13

Machado de Assis: "A mosca azul"





A mosca azul


Era uma mosca azul, asas de ouro e granada,
Filha da China ou do Indostão,
Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada,
Em certa noite de verão.


E zumbia, e voava, e voava, e zumbia,
Refulgindo ao clarão do sol
E da lua, — melhor do que refulgiria
Um brilhante do Grão-Mogol.


Um poleá que a viu, espantado e tristonho,
Um poleá lhe perguntou:
"Mosca, esse refulgir, que mais parece um sonho,
Dize, quem foi que to ensinou?"


Então ela, voando, e revoando, disse:
— "Eu sou a vida, eu sou a flor
"Das graças, o padrão da eterna meninice,
"E mais a glória, e mais o amor."


E ele deixou-se estar a contemplá-la, mudo,
E tranqüilo, como um faquir,
Como alguém que ficou deslembrado de tudo,
Sem comparar, nem refletir.


Entre as asas do inseto, a voltear no espaço,
Uma cousa lhe pareceu
Que surdia, com todo o resplendor de um paço
E viu um rosto, que era o seu.


Era ele, era um rei, o rei de Cachemira,
Que tinha sobre o colo nu,
Um imenso colar de opala, e uma safira
Tirada ao corpo de Vichnu.


Cem mulheres em flor, cem nairas superfinas,
Aos pés dele, no liso chão,
Espreguiçam sorrindo, as suas graças finas,
E todo o amor que têm lhe dão.


Mudos, graves, de pé, cem etíopes feios,
Com grandes leques de avestruz,
Refrescam-lhes de manso os aromados seios,
Voluptuosamente nus.


Vinha a glória depois; — quatorze reis vencidos,
E enfim as páreas triunfais
De trezentas nações, e o parabéns unidos
Das coroas ocidentais.


Mas o melhor de tudo é que no rosto aberto
Das mulheres e dos varões,
Como em água que deixa o fundo descoberto,
Via limpo os corações.


Então ele, estendendo a mão calosa e tosca,
Afeita a só carpintejar,
Como um gesto pegou na fulgurante mosca,
Curioso de a examinar.


Quis vê-la, quis saber a causa do mistério.
E, fechando-a na mão, sorriu
De contente, ao pensar que ali tinha um império,
E para casa se partiu.


Alvoroçado chega, examina, e parece
Que se houve nessa ocupação
Miudamente, como um homem que quisesse
Dissecar a sua ilusão.


Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela,
Rota, baça, nojenta, vil,
Sucumbiu; e com isto esvaiu-se-lhe aquela
Visão fantástica e sutil.


Hoje, quando ele aí vai, de áloe e cardamomo
Na cabeça, com ar taful,
Dizem que ensandeceu, e que não sabe como
Perdeu a sua mosca azul.



ASSIS, Machado de. "Ocidentais". In:_____. Obra completa, vol.3. Rio de Janeiro: Aguilar, 1973. 

1.11.13

Ferreira Gullar: "Anoitecer em outubro"






Anoitecer em outubro

A noite cai, chove manso lá fora
     meu gato dorme
          enrodilhado
               na cadeira

Num dia qualquer
          não existirá mais
          nenhum de nós dois
para ouvir
          nesta sala
a chuva que eventualmente caia
          sobre as calçadas da rua Duvivier



GULLAR, Ferreira. Em alguma parte alguma. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.