30.11.14

Vera Casa Nova: "O tempo passa, Virgínia"




O tempo passa, Virgínia,
os dias e as noites
passam tão rapidamente
que só sentimos o voo.
Quando os anos marcam
nosso corpo,
com as dobras, as veias,
as rugas, o saber sobre as coisas enobrece.
Caminhos percorridos
às vezes adiados
nem sempre contados.
Memória do viver.


NOVA, Vera Casa. "Versos". In:_____. Restos. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2014.

27.11.14

Manuel Maria Barbosa du Bocage: "Nascemos para amar"




Nascemos para amar; a humanidade
Vai cedo ou tarde aos laços da ternura
Tu és doce atractivo, ó formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.

Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão n’alma se apura
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade.

Qual se abismou nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na idéia acesas:

Amor ou desfalece, ou pára, ou corre:
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.



BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du. "Nascemos para amar". In: PEDROSA, Inês. Poemas de amor. Antologia de poesia portuguesa. Lisboa: Dom Quixote, 2005.

25.11.14

Cioran: de "L'escroc du gouffre"




Uma poesia digna desse nome começa pela experiência da fatalidade. Livres não são senão os maus poetas.

CIORAN. Syllogismes de l'amertume. Paris: Gallimard, 1980.

23.11.14

Bertrand Russell: Sobre a fé





Os cristãos creem que sua fé faz bem, mas outras fés fazem mal. De todo modo, pensam isso sobre a fé comunista. O que eu afirmo é que todas as fés fazem mal. Podemos definir a 'fé' como uma firme crença em algo para o qual não há prova. Quando não há prova, fala-se de 'fé'. Não falamos de ter fé de que dois mais dois sejam quatro ou de que a terra seja redonda. Falamos de fé somente quando queremos substituir a evidência pela emoção.



RUSSELL, Bertrand. "Will religious faith cure our troubles?". In:_____. Human society in ethics and politics. London: Routledge, 1992.



22.11.14

Jorge Luis Borges: "Ewigkeit" / "Ewigkeit": trad. Augusto de Campos




Ewigkeit

Torne en mi boca el verso castellano
A decir lo que siempre está diciendo
Desde el latín de Séneca: el horrendo
Dictamen de que todo es del gusano.

Torne a cantar la pálida ceniza,
Los fastos de la muerte y la victoria
De esa reina retórica que pisa
Los estandartes de la vanagloria.

No así. Lo que mi barro ha bendecido
No lo voy a negar como un cobarde.
Sé que una cosa no hay. Es el olvido;

Sé que en la eternidad perdura y arde
Lo mucho y lo precioso que he perdido:
Esa fragua, esa luna y esa tarde.


Ewigkeit

Torne-me à boca o verso castelhano,
A dizer o que sempre está dizendo
Desde o latim de Sêneca : o horrendo
Ditame de que o verme é soberano.

Torne a cantar a palidez da cinza,
Os fastígios da morte e a vitória
Da rainha retórica que pisa
Os estandartes ocos da vanglória.

Não assim. O meu barro agradecido
Eu não o vou negar como um covarde.
Sei que não há uma coisa : é o olvido.

Sei que na eternidade dura e arde
O muito e o melhor por mim perdido :
Esta frágua, esta lua e esta tarde.



BORGES, Jorge Luis. "Ewigkeit". In: CAMPOS, Augusto de. Quase Borges. 20 poemas e uma entrevista. São Paulo: Terracota, 2012.

18.11.14

Entrevista sobre "O que é poesia?"




A propósito da aula-show "O que é poesia?", que será apresentada pela última vez amanhã, 19/11, no Oi Futuro de Ipanema, dei uma breve entrevista ao Luiz Fernando Vianna. Ela se encontra publicada no Blog do IMS, aqui: http://www.blogdoims.com.br/ims/a-poesia-no-palco-quatro-perguntas-para-antonio-cicero.

16.11.14

Projeto Turista Aprendiz




Na próxima terça-feira, 18/11, às 15h, o poeta Alex Varella e eu estaremos na Biblioteca Parque Estadual (Av. Presidente Vargas, 1261, Centro, Rio de Janeiro) falando sobre poesia, lendo poemas e batendo papo com alunos do Projeto – produzido pela Praga Conexões – Turista Aprendiz.

Antonio Cicero: palestra-show "O que é poesia?"




Clique na imagem, para ampliá-la:

14.11.14

Friedrich Nietzsche: a vantagem do politeísmo sobre o monoteísmo




143
[...]
No politeísmo estava prefigurada a liberdade humana e variedade de pensamento: a força de criar para si olhos novos e seus, sempre novos e cada vez mais seus; de modo que somente para o homem, entre todos os animais, não existem horizontes e perspectivas eternas.


NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. Trad., notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.


12.11.14

Adriano Nunes: "Prova"




"Prova" - para Antonio Cicero

Suponho que saberia
Apenas isso: que isso
Ser pode aquilo e
Que aquilo pode ser isso

Quando convir
Ou for preciso.
Logo te digo:
O que sei é que é possível

Tudo no infindo
Espaço da poesia.
Não vês os dragões azuis saindo
Do decassílabo,

Enfeitado de resquícios
De versos de Horácio e Ovídio,
Porque amas os seus ritmos,
Não vês grãs tigres

Saltando, já, sobre as rimas
Toantes que construí
Só para ti?
Não vês libélulas lindas

Levando-te, com capricho
E amor, num rito,
Sóis, crisântemos e lírios,
Nas maiores redondilhas?

Sim, acredita,
Na quadra finda
Em quatro sílabas
Bem cabe a vida.



NUNES, Adriano. In: http://astripasdoverso.blogspot.com.br/2014/11/adriano-nunes-prova-para-antonio-cicero.html

10.11.14

9.11.14

Paul Valéry. Sobre o Discurso do método, de Descartes




O que é então que leio no Discurso do método?


Não são os próprios princípios que nos podem reter por muito tempo. O que chama minha atenção, desde a encantadora narrativa de sua vida e das circunstâncias iniciais de sua pesquisa, é a presença dele mesmo nesse prelúdio de uma filosofia. É, pode dizer-se, o emprego do eu e do mim numa obra dessa espécie, e o som da voz humana; e é isso, talvez, que se opõe mais nitidamente à arquitetura escolástica. O eu e o mim devendo introduzir-nos a maneiras de pensar inteiramente genéricas, eis o meu Descartes. 




VALÉRY, Paul. "Descartes". In:_____. "Variété". In:_____. Oeuvres I. Paris: Gallimard, 1957.

5.11.14

Lançamento de Poesia em pauta




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Giuseppe Ungaretti: "Il porto sepolto" / "O porto sepulto": trad. Geraldo Holanda Cavalcanti




O porto sepulto
                           Mariano, 29 de julho de 1916

Ali chega o poeta
e depois regressa à luz com seus cantos
e os dispersa

Desta poesia
me sobra
aquele nada
de inesgotável segredo




Il porto sepolto
                         Mariano il 29 giugno 1916  

Vi arriva il poeta
e poi torna alla luce con i suoi canti
e li disperde

Di questa poesia
mi resta
quel nulla
d'inesauribile segreto



UNGARETTI, Giuseppe. A alegria. Edição bilingue. Trad. e notas de Geraldo Holanda Cavalcanti. Rio de Janeiro: Record, 2003.

2.11.14

Vinícius de Moraes: "O poeta Hart Crane suicida-se no mar"




O poeta Hart Crane suicida-se no mar

Quando mergulhaste na água
Não sentiste como é fria
Como é fria assim na noite
Como é fria, como é fria?
E ao teu medo que por certo
Te acordou da nostalgia
(Essa incrível nostalgia
Dos que vivem no deserto...)
Que te disse a Poesia?

Que te disse a Poesia
Quando Vênus que luzia
No céu tão perto (tão longe
Da tua melancolia...)
Brilhou na tua agonia
De moribundo desperto?

Que te disse a Poesia
Sobre o líquido deserto
Ante o mar boquiaberto
Incerto se te engolia
Ou ao navio a rumo certo
Que na noite se escondia?

Temeste a morte, poeta?
Temeste a escarpa sombria
Que sob a tua agonia
Descia sem rumo certo?
Como sentiste o deserto
O deserto absoluto
O oceano absoluto
Imenso, sozinho, aberto?

Que te falou o Universo
O infinito a descoberto?
Que te disse o amor incerto
Das ondas na ventania?
Que frouxos de zombaria
Não ouviste, ainda desperto
Às estrelas que por certo
Cochichavam luz macia?

Sentiste angústia, poeta
Ou um espasmo de alegria
Ao sentires que bulia
Um peixe nadando perto?
A tua carne não fremia
À ideia da dança inerte
Que teu corpo dançaria
No pélago submerso?

Dançaste muito, poeta
Entre os véus da água sombria
Coberto pela redoma
Da grande noite vazia?
Que coisas viste, poeta?

De que segredos soubeste
Suspenso na crista agreste
Do imenso abismo sem meta?
Dançaste muito, poeta?
Que te disse a Poesia?


MORAES, Vinícius. Nova antologia poética. Seleção e org. Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.