30.9.15

Olavo Bilac: "Língua portuguesa"



Língua portuguesa

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!



BILAC, Olavo. "Língua portuguesa". In: BANDEIRA, Manuel. Apresentação da poesia brasileira: seguida de uma antologia. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

28.9.15

Eduardo Macedo: "Pulsão"




Pulsão


na cama
no elevador

atrás do muro
em Salvador

na sombra da árvore
no quarto escuro

na rua deserta
ladeira incerta

no meio do mato
debaixo d'água

rolando na areia
embaixo da escada

no breu do cinema
madrugada em Ipanema

em qualquer lugar


MACEDO, Eduardo. "Pulsão". In:_____. Poemas quentes. Rio de Janeiro: Personal, 2014.

26.9.15

P.B. Shelley: "Mutability" / "Mutabilidade": trad. de Adriano Scandolara





Mutabilidade

Quais nuvens somos, que ao luar são um véu;
E, aflitas, brilham, oscilam e se apressam,
Riscando a treva em luz! — mas logo o céu
Se fecha em noite, e para sempre cessam:

Ou cordas várias de uma frágil lira
Esquecida, de acordes dissonantes;
Qualquer que seja o zéfiro que as fira,
Nota alguma soará como as de antes.

Em sono — vêm os sonhos, venenosos;
Vigília — desvarios poluem a hora;
Sentir, pensar, alegres, lastimosos;
Guardar a mágoa ou lançá-la embora:

É a mesma coisa! — ao júbilo ou tormento,
Para sua fuga ainda há liberdade:
Ao homem vai-se e não volta o momento;
Nada dura — só Mutabilidade.




Mutability

We are as clouds that veil the midnight moon;
How restlessly they speed, and gleam, and quiver,
Streaking the darkness radiantly!—yet soon
Night closes round, and they are lost for ever:

Or like forgotten lyres, whose dissonant strings
Give various response to each varying blast,
To whose frail frame no second motion brings
One mood or modulation like the last.

We rest.—A dream has power to poison sleep;
We rise.—One wandering thought pollutes the day;
We feel, conceive or reason, laugh or weep;
Embrace fond woe, or cast our cares away:

It is the same!—For, be it joy or sorrow,
The path of its departure still is free:
Man's yesterday may ne'er be like his morrow;
Nought may endure but mutability!




SCHELLEY, P.B. "Mutability" / "Mutabilidade". Trad. de Adriano Scandolara. In:_____. Prometeu desacorrentado e outros poemas. Trad. de Adriano Scandolara. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

23.9.15

Francis Ponge: "À la rêveuse matière" / "À sonhadora matéria": trad. de Manuel Gusmão




     À sonhadora matéria

     Provavelmente, tudo e todos - e nós mesmos - não somos senão sonhos imediatos da divina Matéria:
     Os produtos textuais da sua prodigiosa imaginação.
     E assim, num certo sentido, poder-se-is dizer que a natureza inteira, nela incluindo os homens, não é senão uma escrita; mas uma escrita de uma certa espécie; uma escrita não-significativa, pelo facto de que não se refere a nenhum sistema de significação; de que se trata de um universo indefinido: propriamente imenso, sem medidas.
     Enquanto que o mundo das palavras é um universo finito.
     Mas pelo facto de ser composto por esses objectos muito particulares e particularmente comoventes, os sons significativos e articulados de que somos capazes, que nos servem ao mesmo tempo para nomear os objectos da natureza e para exprimir os nossos sentimentos,
     Basta sem dúvida nomear o que quer que seja - de uma certa maneira - para exprimir tudo do homem e, no mesmo lance, glorificar a matéria, exemplo para a escrita e providência do espírito.




À la rêveuse matière

     Probablement, tout et tous - et nous-mêmes - ne sommes-nous que des rêves immédiats de la divine Matière.
     Les produits textuels de sa prodigieuse imagination.
     Et ainsi, en un sens, pourrait-on dire que la nature entière, y compris les hommes, n'est qu'une écriture; mais une écriture d'un certain genre; une écriture non significative, du fait qu'elle ne se réfère à aucun système de signification; qu’il s'agit d'un univers indéfini : â proprement parler immense, sans mesures.
     Tandis que le monde des paroles est un univers fini.
     Mais du fait qu'il est composé de ces objets très particuliers et particulièrement émouvants, les sons significatifs et articulés dont nous sommes capables, qui nous servent à la fois à nommer les objets de la nature et à exprimer nos sentiments,
     Sans doute suffit-il de nommer quoi que ce soit - d'une certaine manière - pour exprimer tout de l'homme et, du même coup, glorifier la matière, exemple pour l'écriture et providence de l'esprit.



PONGE, Francis. "À la rêveuse matière" / "À sonhadora matéria". Trad. de Manuel Gusmão. In:_____. "Nouveau recueil" / "Nova recolha". In:_____. Alguns poemas (antologia poética). Seleção, tradução e introdução de Manuel Gusmão. Lisboa: Cotovia, 1996.   


20.9.15

William Butler Yeats: "When you are old and grey and full of sleep" / "Quando estiveres velha, grisalha e sonolenta": trad. de autor anônimo; / "Quando fores velha": trad. de Adriano Nunes





When you are old and grey and full of sleep

When you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;

How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;

And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amid a crowd of stars.




YEATS, William Butler. "When you are old and grey and full of sleep". In:_____. The collected works in verse and prose. Vol.2, Epigraph. London: Chapman and Hall Ltd., 1908.


Quando estiveres velha, grisalha e sonolenta

Quando estiveres velha, grisalha e sonolenta
Junto à lareira, toma este livro,
E lê devagar, sonhando com o brilho
Que teus olhos tiveram, mas se apagou;

Quantos amaram teus momentos de graça,
E amaram tua beleza com amor falso ou sincero,
Mas um homem amou tua alma peregrina
E os sofrimentos, que marcavam teu rosto;

E, curvada sobre a lenha ardente,
Lamente, em murmúrios, a fuga do amor
Que se refugiou além das montanhas
E escondeu seu rosto entre as estrelas.


Colhi essa tradução na Internet, sem indicação de autoria. Caso alguém tenha informação segura sobre sua autoria, agradeceria se deixasse uma mensagem.


Agradeço a nosso querido Adriano Nunes por nos ter enviado sua versão do mesmo poema de Yeats. Ei-la:

Quando fores velha

Quando fores velha e triste e cansada,
E em ordem co' o fogo, pega este livro
E lê lentamente, e lembra o olhar vivo
Que tinhas, e da sombra aprofundada.

Amaram-te dias de graça grácil,
E teu fulgor co' amor falso ou sincero,
Mas amou-te um ser n'alma o destempero,
E as mágoas da tua face volátil.

E curvando-te à grade incandescente,
Murmura, amarga, como o amor fugiu
E seguiu monte acima, a subir sempre
E a face em grupos d'astros encobriu.



NUNES, Adriano. "Quando fres velha".



Antonio Cicero

19.9.15

Nelson Ascher: "Geolírica Leminskiana"





GEOLÍRICA LEMINSKIANA


Eu Rio Bonito
Tu Vinhas do Cabo
Ele Amazonas
Nós Lemos
Vós Paris
Eles São Marcos da Serra


ASCHER, Nelson. "Geolírica Leminskiana". Publicado no Facebook.

17.9.15

Antonio Cicero: "Prólogo"




Podem ouvir-se belos poemas no programa "A Vida Breve", da Antena2 Rádio e Televisão de Portugal - Antena2. Adorei lá escutar excelentes poemas, inclusive um meu, recitado por mim mesmo. Trata-se de "Prólogo", do meu livro A cidade e os livros. Encontra-se aqui: http://www.rtp.pt/play/p1109/e206893/a-vida-breve

16.9.15

Fernando Pinto do Amaral: "Relâmpago"




Relâmpago

Rompe-se a escuridão quando ao olhar
para uma face o mundo se ilumina
com uma claridade repentina
capaz de, só por si, fazer brilhar

a substância tão irregular
de tudo o que se acende na retina
e através da luz se dissemina
por entre imagens vãs, até formar

um fluido movimento, uma paisagem
a que estes olhos quase não reagem
salvo se nesse instante o rosto for

transfigurado pela fantasia.
E às vezes é só isso que anuncia
aquilo a que chamamos o amor.



AMARAL, Fernando Pinto do. "Relâmpago". In:_____. Poesia reunida 1900-2000. Lisboa: Dom Quixote, 2000.

15.9.15

Escrito em voz alta: com Antonio Cicero, Eucanaã Ferraz e João Bandeira

No Centro Universitário Maria Antonia, às 20h de amanhã:

Clique para ampliar:

12.9.15

Bernardo Vilhena: "Que música é essa?"




Que música é essa?

Que música é essa?
Que invade o poema
E me impele a escrever?

Que ritmo é esse?
Que escolhe palavras
A seu bel prazer?

Que som é esse?
Ruído imperfeito
A quebrar o desenho
Que parecia tão claro
E agora desfeito
Desdenha da forma
E se impõe por si só?

A melodia interrompida
Imita a vida com nuances
Surpresas, acasos e improvisos

Nada me resta além
Do silêncio quebrado
E a imprecisão dos sentidos



VILHENA, Bernardo. "Que música é essa?". In: Cândido. Jornal da Biblioteca Pública do Paraná,  nº 49, agosto de 2015. 

10.9.15

George Gordon Byron: estrofe XIX de "Beppo: a Venetian story" / "Beppo: uma história veneziana": trad. Paulo Henriques Britto





XIX

Já viste uma gôndola, meu prezado
Leitor? Vou descrever – é coisa à toa:
Um barco negro, coberto, alongado,
Leve e compacto; tem de ferro a proa,
E é por dois remadores tripulado.
Mais parece um caixão numa canoa,
E dentro dele, o que se diga ou faça
Jamais é percebido por quem passa.



XIX

Didst ever see a Gondola? For fear
You should not, I'll describe it you exactly:
'Tis a long covered boat that's common here,
Carved at the prow, built lightly, but compactly,
Rowed by two rowers, each call'd "Gondolier,"
It glides along the water looking blackly,
Just like a coffin clapt in a canoe,
Where none can make out what you say or do.




BYRON, George Gordon. Estrofe XIX. Trad. de Paulo Henriques Britto. In:_____. Beppo: uma história veneziana. Trad. de Paulo Henriques Britto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.  

8.9.15

Manuel Bandeira: "Momento num café"




Momento num café

Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.




BANDEIRA, Manuel. "Momento num cafe". In:_____. 50 poemas escolhidos pelo autor. São Paulo: Cosacnaify, 2006.

6.9.15

Francisco Alvim: "O gênio da língua"




O gênio da língua

Corno manso
Bobo alegre



ALVIM, Francisco. "O gênio da língua". In:_____.  "Elefante". In:_____. Poemas [1968-2000]. Rio de Janeiro: 7 Letras; São Paulo: Cosacnaify, 2004.

4.9.15

Anacreonte: "As rédeas da alma" / trad.: Frederico Lourenço




As rédeas da alma

Jovem de olhar inocente,
procuro-te no meio das outras pessoas,
mas tu não reparas,
pois não sabes que deténs as rédeas da minha alma.



ANACREONTE. "As rédeas da alma". Trad. de Frederico Lourenço. In: LOURENÇO, Frederico (org.). Poesia grega de Álcman a Teócrito. Lisboa: Cotovia e Frederico Lourenço, 2006.



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Exposiçao Narrativas Poéticas no Rio de Janeiro

A curadoria geral da exposição NARRATIVAS POÉTICAS é de Helena Severo; a curadoria especial de artes plásticas é de Franklin Espath Pedroso; e a curadoria especial de poesia é de Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz.

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1.9.15

Arnaldo Antunes: "nada"








nada
com um vidro na frente
já é alguma coisa


nada
com um vento batendo
já é alguma coisa


nada
com o tempo passando
já é alguma coisa


mas
não é nada









ANTUNES, Arnaldo. "nada". In:_____. agora aqui ninguém precisa de si. São Paulo: Companhia das Letras, 2015