29.4.17

Giacomo Leopardi: "L'Infinito" / "O Infinito": trad. de Nelson Ascher

Agradeço ao poeta Nelson Ascher por me ter enviado a seguinte belíssima tradução que ele fez do clássico poema de Leopardi "L'INFINITO":


O INFINITO

Volto sempre a esta encosta solitária
e gosto até da sebe que me encobre
em boa parte o extremo do horizonte.
Porém, sentado e olhando, eu infindáveis 
espaços muito além e sobre-humanos
silêncios e as quietudes mais profundas
formo ao pensar, a ponto de que o peito
por pouco não se alarma. E ouvindo folhas
farfalharem ao vento, esta voz logo
comparo com aqueles infinitos
silêncios, e me assoma a eternidade
e as eras que passaram e esta nossa,
viva e ruidosa. Então meu pensamento
se afoga nessa imensidade toda:

e é doce naufragar num mar assim.



L'INFINITO

Sempre caro  mi fu quest’ermo colle, 
e questa siepe, che da tanta parte 
dell’ultimo orizzonte il guardo esclude. 
Ma sedendo e mirando, interminati 
spazi di là da quella, e sovrumani 
silenzi, e profondissima quïete 
io nel pensier mi fingo, ove per poco
il cor non si spaura. E come il vento 
odo stormir tra queste piante, io quello 
infinito silenzio a questa voce 
vo comparando: e mi sovvien l’eterno, 
e le morte stagioni, e la presente 
e viva, e il suon di lei. Così tra questa 
immensità s’annega il pensier mio: 
e il naufragar m’è dolce in questo mare.


LEOPARDI, Giacomo. "L'Infinito". In:_____. "Canti". In:_____. Opere di Giacomo Leopardi. Org. por Giovanni Getto. Milano: Ugo Mursia, 1975. 

27.4.17

Luis Turiba: "Geominerografia"


Geominerografia

pedras que rolam
minas que minam

sertões descampados
veredas rochosas
montanhas manhosas
rios infindos
correntes transbordantes
grutas e cachoeiras
águas cristalindas

atravessar minas
é surfar pelas páginas
de Guimarães Rosa



TURIBA, Luis. "Geominerografia". In:_____. "Ser minério é coisa séria". In:_____. Qtais. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013.




25.4.17

João Pedro Fagerlande recita o poema "Guardar", de Antonio Cicero


Gostei muito da interpretação de João Pedro Fagerlande do meu poema "Guardar". Encontra-se aqui:





23.4.17

"Tudo é irrelevante"


Hoje às 19h, no Espaço Itaú de Cinema 6, no Rio de Janeiro, será exibido, como parte do festival "É tudo verdade", o documentário de Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan "Tudo é irrelevante", sobre o grande pensador brasileiro Helio Jaguaribe.



Lêdo Ivo: "Soneto de ninar"



Soneto de ninar

Dorme, oceano.
Minha canção te embala
na treva lacerada
pelas constelações.

Dorme, doce terra impura.
Minha canção te cinge,
leve gesto de amor
na escuridão.

Dorme, vento
que suspende as árvores
no ar.

Durmam até as pedras
repousadas e felizes
em seu sono de pedra.



IVO, Lêdo. "Soneto de ninar". In:_____. "Crepúsculo civil". In:_____. Poesia completa (1940-2004). Rio de Janeiro: Topbooks, 2004.

21.4.17

Fernando Pessoa / Ricardo Reis: "Não torna ao ramo a folha que o deixou"



Não torna ao ramo a folha que o deixou, (28-9-1926)

Não torna ao ramo a folha que o deixou,
Nem com seu mesmo pó se uma outra forma.
O momento, que acaba ao começar
        Este, morreu p'ra sempre.
Não me promete o incerto e vão futuro
Mais do que esta iterada experiência
Da mutada sorte e a condição deserta
        Das cousas e de mim.
Por isso, neste rio universal
De que sou, não uma onda, senão ondas,
Decorro inerte, sem pedido, nem
        Deuses em quem o empregue.



PESSOA, Fernando. "Não torna ao ramo a filha que o deixou". In:_____. Poemas de Ricardo Reis. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994.

18.4.17

Jorge Luis Borges: "El suicida"



El suicida

No quedará en la noche una estrella.
No quedará la noche
Moriré y conmigo la suma
Del intolerable universo.
Borraré las pirámides, las medallas,
Los continentes y las caras.
Borraré la acumulación del pasado.
Haré polvo la historia, polvo el polvo.
Estoy mirando el último poniente.
Oigo el último pájaro.
Lego la nada a nadie.




O suicida

Não ficará na noite uma estrela.
Não ficará a noite.
Morrerei e comigo a soma
Do intolerável universo.
Apagarei as pirâmides, as medalhas,
Os continentes e as caras.
Apagarei a acumulação do passado. 
Farei pó a história, pó o pó.
Estou olhando o último poente.
Ouço o último pássaro.
Lego o nada a ninguém.



BORGES, Jorge Luis. "El suicida". In:_____. "La rosa profunda". In:_____. Obras completas. 1975-1985. Vol.2. Buenos Aires: Emecé, 1989. 




16.4.17

Ferreira Gullar: "Dois poetas na praia"



Dois poetas na praia

É carnaval,
a terra treme:
um casal de poetas conversa
na praia do Leme!

Falam os dois de poesia
e dos banhistas
que nunca lerão Drummond nem Mallarmé.
– E lerão o meu poema?
pergunta ela.
– Alguém vai ler.
– Pois mesmo que não leia
não vou deixar de dizer
o que vejo nesta areia
que eles pisam sem ver.

E o poeta mais velho
sorri confortado:
a poesia está ali
renascida a seu lado.



GULLAR, Ferreira. "Dois poetas na praia". In:_____. Em alguma parte alguma. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.

12.4.17

Jacques Prévert: "Le cancre" / "Juquinha": trad. de Silviano Santiago


Le cancre

Il dit non avec la tête
mais il dit oui avec le cœur
il dit oui à ce qu’il aime
il dit non au professeur
il est debout
on le questionne
et tous les problèmes sont posés
soudain le fou rire le prend
et il efface tout
les chiffres et les mots
les dates et les noms
les phrases et les pièges
et malgré les menaces du maître
sous les huées des enfants prodiges
avec des craies de toutes les couleurs
sur le tableau noir du malheur
il dessine le visage du bonheur.



Juquinha

Diz não com a cabeça
diz sim com o coração
diz sim ao que ama
diz não ao professor
está de pé
sendo arguído
e todas as perguntas lhe são feitas
de repente morre de rir
e apaga tudo
os números e as palavras
as datas e os nomes
as frases e as armadilhas
e apesar das ameaças do professor
debaixo da vaia dos meninos prodígios
no quadro- negro da desgraça
com giz de todas as cores
desenha o rosto da felicidade.




PRÉVERT, Jacques. "Le cancre" / "Juquinha". Poemas. Seleção e tradução de Silviano Santiago. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

9.4.17

Bill Knott: "Death"


Morte

Perto de dormir, cruzo as mãos sobre o peito.
Colocarão minhas mãos assim.
Parecerá que estou a voar para dentro de mim mesmo.


Death

Going to sleep, I cross my hands on my chest.
They will place my hands like this.
It will look as though I am flying into myself.



KNOTT, Bill. "Death". In:_____. I am flying into myself: selected poems, 1960-2014. Org. por Thomas Lux. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2017.

7.4.17

Antônio Olinto: "Teoria do homem"



Teoria do homem

O começo do homem é o fim do homem
o começo é o fim
o começo é o homem
o homem é o fim
meço o homem pelo fim
o fim é a medida a medida é o começo
a medida é o meio o meio é o medo
o medo é o muro o muro é o vulto
o vulto é o vento
o vento bate na bandeira
parece passo na pressa
o passo é a pressa
a pressa é o modo
o modo é o mito
o mito é a meta
o fim é o mito
o mito é o começo
o começo do homem é o fim do homem
o fim do homem é o começo do homem.



OLINTO, Antônio. "Teoria do homem". In:_____. 50 poemas escolhidos pelo autor. Rio de Janeiro: Galo Branco, 2004.

5.4.17

Seamus Heaney: "Arion" / "Aríon": trad. de Rui Carvalho Homem


Aríon

Todos estávamos em grande afã lá no barco,
Alguns em cima esticando as velas,
Outros em baixo no puxa e empurra
Dos bancos de remador, com pesada carga,
A quilha firme no mar, singrando em silêncio,
O timoneiro jovial ao leme;
E eu, que achava estar tudo garantido,
Cantava para os marinheiros.
                                            E de súbito,
Vento tumultuoso, um turbilhão:
O timoneiro e os marinheiros morreram.
Só eu, cantando ainda, lançado
À praia pela longa vaga marinha, prossigo
O meu canto, um mistério para o meu ser de poeta,
E são e salvo debaixo de uma falésia
Estendo as minhas roupas molhadas ao sol.


                                     do russo de Alexandre Puchkin




Arion

We were all hard at it in the boat,
Some of us up tightening sail,
Some down at the heave and haul
Of the rowing benches, deeply cargoed,
Steady keeled, our passage silent,
The helmsman buoyant at the helm;
And I, who took it all for granted,
Sang to the sailors.
                                Then turbulent
Sudden wind, a maelstrom:
The helmsman and the sailors perished.
Only I, still singing, washed
Ashore by the long sea-swell, sing on,
A mystery to my poet self,
And safe and sound beneath a rock shelf
Have spread my wet clothes in the sun.


                                    from the Russian of Alexader Puchkin




HEANEY, Seamus. "Arion" / "Aríon". In:_____. Electric light. Trad. de Rui Carvalho Homem. Vila Nova de Famalicão: Quasi, s.d.

3.4.17

Nelson Ascher: "Havia um surfista em Recife"





Havia um surfista em Recife
que usava só pranchas de grife.
    Tubarões, todavia,
    devoraram-no um dia
pensando tratar-se de um bife.



ASCHER, Nelson. "Havia um surfista em Recife". In:_____. "Aqui (limericks, epigramas & epitáfio)". In:_____. Parte alguma: poesia (1997-2004). São Paulo: Companhia das Letras, 2005.




1.4.17

Derek Walcott: "Love after love" / "Amor depois de amor": trad. de Rodrigo Garcia Lopes


Love after love

The time will come
when, with elation
you will greet yourself arriving
at your own door, in your own mirror
and each will smile at the other's welcome,

and say, sit here. Eat.
You will love again the stranger who was your self.
Give wine. Give bread. Give back your heart
to itself, to the stranger who has loved you

all your life, whom you ignored
for another, who knows you by heart.
Take down the love letters from the bookshelf,

the photographs, the desperate notes,
peel your own image from the mirror.
Sit. Feast on your life.



WALCOTT, Derek. "Love after love". In:_____. Collected poems. New York: Farrar, Straus and Giroux, 1986.


Amor depois de amor

Vai vir o tempo
em que você, orgulhoso,
vai saudar a si mesmo chegando
à sua própria porta, em seu próprio espelho,
e vão trocar sorrisos de boas-vindas,

você vai dizer, sente-se. Coma.
Vai amar o estranho que um dia você foi.
Dê vinho. Dê pão. Devolva seu coração
pra ele mesmo, o estranho que o amou

por toda a sua vida, e a quem você ignorou
por outro alguém, que o conhece de cor.
Pegue da estante as cartas de amor,

as fotografias, as anotações desesperadas,
descasque seu reflexo do espelho.
Sente-se. Sirva-se da vida.



WALCOTT, Derek. "Amor depois de amor". Trad. Rodrigo Garcia Lopes. In blog Estúdio Realidade. URL: http://estudiorealidade.blogspot.com.br/2011/12/amor-depois-de-amor-derek-walcott.html. Acessado em 1 de março de 2017.

Eu, Waly Salomão e Derek Walcott


Eu, Waly Salomão e Derek Walcott, na casa deste, na ilha de
Saint Lucia, no Caribe, em 1994.















Em 1994, o poeta Waly Salomão e eu fomos -- graças ao apoio de
Ana Lucia Magalhães Pinto, que dirigia o departamento cultural do
Banco Nacional -- à Ilha de Saint Lucia, para convidar o poeta
Derek Walcott a vir ao Brasil, participar do ciclo internacional de
conferências intitulado "Banco Nacional de Ideias", que Waly e eu
organizamos até 1995. O poeta caribenho veio e pronunciou uma
bela palestra em São Paulo.