3.8.17

Jorge Luis Borges: "Camden, 1982": trad. de Augusto de Campos



Camden, 1982

O cheiro do jornal e dos periódicos.
O domingo e seus tédios. A manhã
E na entrevista página essa vã
Publicação de versos alegóricos

De um colega feliz. O homem velho
Está prostrado e branco na decente
Habitação de pobre. Ociosamente
Olha seu rosto no cansado espelho.


Pensa, já sem assombro, que essa cara
É ele. Incerta, a mão acaso toca
A barba turva e a saqueada boca.

Não está longe o fim. Sua voz declara:
Quase não sou, mas os meus versos ritmam
A vida e sua glória. Sou Walt Whitman.




Camden, 1982


El olor del café y de los periódicos.
El domingo y su tedio. La mañana
Y en la entrevista página esa vana
Publicación de versos alegóricos

De un colega feliz. El hombre viejo
Está postrado y blanco en su decente
Habitación de pobre. Ociosamente
Mira su cara en el cansado espejo.

Piensa, ya sin asombro, que esa cara
Es él. La distraída mano toca
La turbia barba y saqueada boca.

No está lejos el fin. Su voz declara:
Casi no soy, pero mis versos ritman
La vida y su esplendor. Yo fui Walt Whitman.




BORGES, Jorge Luis. "Camden, 1982". In:_____. Quase Borges: 20 transpoemas e uma entrevista. Org. e trad. de Augusto de Campos. São Paulo: Terracota, 2013.

Um comentário:

Italo Rosa disse...

Prezado Antonio Cícero, cotejando o original de Borges com a bela tradução de Augusto de Campos, deparei com uma mudança de tempo verbal no último verso. Onde Borges fala no passado, na tradução o verbo está no presente. Penso que, do modo como Borges escreveu, a idéia do reconhecimento da própria decadência física e da proximidade do fim (de Walt Whitman) adquire uma dramaticidade maior. Não saberemos nunca se foi um lapso do querido Augusto de Campos ou do revisor, ou se houve algum propósito deliberado. Um abraço, muito obrigado por todos os seus poemas, inclusive os que viraram letras de canções com Marina, e que foram (e continuam) a trilha sonora de paixões em bares de obscura luz neon nos anos 80. muito obrigado. Italo Rosa